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Como causar a “desconstrução” de um projeto

Publicado em 14/10/2015

Quando o seu filho “Junior” conclui o curso superior, “Brasilino” decide fazer uma surpresa e construir uma casa para ele. Está convicto que sabe o que atende as necessidades do filho e contrata um escritório de engenharia & arquitetura para fazer o projeto. O escritório desenvolve em conjunto com o futuro cliente uma descrição básica e com este descritivo executa um projeto detalhado, apresenta um cronograma de implantação e também o custo de construção do empreendimento baseado nas plantas e listas de matérias e serviços identificados neste estágio pois ainda não há a definição de onde a casa será construída, tipo de terreno nem da infraestrutura disponível.

Sem título

Empolgado com a beleza, funcionalidade do projeto e baixo custo identificado, Brasilino compra o terreno em um condomínio lançado recentemente na cidade que apesar de ser em uma área isolada, situa se naquilo que chamamos de área de expansão natural da cidade, o condomínio está em obras mas os prazos para concluir toda a infraestrutura atendem o cronograma de construção da casa. Com o projeto concluído e a posse do terreno assegurada e o financiamento acertado, contrata uma empresa idônea para iniciar a obra, usando como referência para a licitação o projeto inicial.

O trabalho se inicia com a terraplenagem e nivelamento do terreno e sondagem geológica. Ao final da sondagem verifica-se que o terreno é de má qualidade e que será necessário reforçar as fundações projetadas originalmente. A construtora informa ao contratante que haverá um custo adicional e enquanto se discute o valor da obra, esta fica parada. Para evitar novos contratempos Brasilino decide que a construção deve continuar e que eventuais modificações serão discutidas diretamente com a empresa que fez o projeto original que a partir de agora será seu representante legal com poder de revisar o projeto e autorizar alterações no escopo original (Change Orders) cujos custos serão acertados no futuro.

Ao receber o projeto da rede de águas pluviais e esgoto do condomínio, verifica-se que será necessário aumentar em 0,5 metros o nível do primeiro piso da construção para que seja possível o escoamento. A fundação e o primeiro nível do piso que tinham sido concluídos precisarão ser refeitos, será necessário também redirecionar a tubulação pois o ponto de coleta não coincide com o projeto original o que gera novo aditivo para a projetista e para a construtora. A construtora também solicitou verba adicional para cobrir os custos não previstos para captação de agua, geração de energia e segurança patrimonial pois não há nada disponível no condomínio. Brasilino a esta altura já perdeu completamente o controle do empreendimento. Há conflitos de interesses com a construtora e a administração do condomínio e também com a empresa projetista que atuando na fiscalização do empreendimento está gerando aditivos de seu interesse.

Após 06 meses a obra não avançou absolutamente nada e já se gastou 100% do custo total estimado, são realizadas longas reuniões entre as partes nas quais não se chega a nenhum consenso, até que finalmente o contratante consegue um financiamento adicional e concorda em pagar os custos adicionais. A partir daí a obra avança rapidamente e toda a superestrutura da casa é concluída, é hora portanto de se fazer o acabamento. Neste momento o contratante decide participar do processo de compra e constata que há erros no total de material levantado e que o custo estimado pela empresa projetista na fase projeto é a metade do valor real. Começa de novo a discussão sobre o que aconteceu e se constata que como não estava claramente especificado o material a ser usado, o projetista usou como critério escolher material de custo menor, mas que não atende a expectativa do cliente, novamente foi necessário fazer um aditivo de preço e prazo. Neste ponto já se tem um atraso de 01 ano no empreendimento.

Finalmente chega o grande dia, Brasilino orgulhosamente comunica ao filho Junior que construiu a casa dos sonhos para ele e o leva para conhecer a residência. Junior fica feliz com a iniciativa do pai mas demonstra imediatamente sua insatisfação por não ter participado das escolhas.

Ao chegar ao local, após uma rápida vistoria ele pede ao pai para comprar o lote do lado para fazer uma quadra de esporte e piscina para receber os amigos no fim de semana, dentro da casa verifica que os pontos de energia não atendem as suas necessidades, não gosta nada dos materiais de acabamento aplicados e pede para trocar azulejos, pisos e torneiras, quebra toda a alvenaria para refazer o projeto elétrico e hidráulico e também construir um anexo para atender a necessidades não previstas pelo pai.

O pai atende aos caprichos do filho e com mais um longo período de obra se consegue terminar a construção, enfim apesar do enorme atraso e do custo agora pelo menos 5 vezes maior, Junior tem a sua casa dos sonhos pronta para usar, e poderá providenciar a mudança assim que o condomínio concluir os acessos, implantar a rede de agua potável, pluvial, esgotos, elétrica e telecomunicação e conseguir as licenças legais. Agora a briga é para saber quem vai pagar o custo de manutenção da casa até que esta esteja em condições de morar.

Brasilino gastou uma fortuna, tem dívida com bancos, construtores e fornecedores de material para pagar, sem contar com a despesa adicional por conta dos conflitos judiciais que está envolvido. E não tem ainda nenhuma previsão de quando poderá utilizar a casa, Tudo por conta dos erros primários cometidos no início do empreendimento e sofre por não ter avaliado riscos, não ter conversado com Junior, não ter avaliado as implicações de construir em local sem infraestrutura, por não ter se preocupado em fazer contratos com escopo e responsabilidades definidas, etc.

Qualquer semelhança com projetos de entidades públicas no Brasil não é mera coincidência. Atualmente temos refinarias, portos, estaleiros, barragens, ferrovias, estradas, geradoras de energia, linhas de transmissão e muitas outras obras inacabadas ou sem licença para operação no País.

Espero ter conseguido relatar de forma simples como o primarismo na execução de grandes projetos no país nos levou a desordem econômica vigente. A gestão de empreendimentos precisa ser profissionalizada, a maioria dos problemas relatados neste exemplo são possíveis de evitar com aplicação de conceitos básicos de gerenciamento de projetos. É inacreditável que fatos com o roteiro relatados acima tenham ocorrido em larga escala e que nenhuma das partes envolvidas identificou que isso era insustentável.

Não se pode culpar somente o governo pela má gestão das obras públicas pois parte da culpa cabe ao empresariado que montou uma fantástica estrutura para ganhar dinheiro no curto prazo em cima da ineficiência via “Cultura de Change Order”. Parecia que era muito fácil ganhar dinheiro desse jeito, quanto mais se atrasava um empreendimento maior era o faturamento bruto e acabou nisso que estamos presenciando. Todos nós perdemos, desemprego em massa, empresas sob investigação judicial e estado pré- falimentar, total falta de recursos para novos empreendimentos, obras paradas em todo o país. É isso que queremos?

A cultura de iniciar empreendimentos complexos antes da conclusão de estudos completos de viabilidade técnica-econômica, cronogramas e orçamentos realistas isto é sem um projeto maduro é uma tragédia para o país que tem recursos financeiros limitados. A aceitação em participar de licitações montadas com documentos e estudos preliminares, aceitando os riscos envolvidos, acreditando que mais para a frente será recompensado pelas falhas do contrato levou a engenharia nacional a este estágio que estamos vivendo hoje. Não há a menor chance de melhorar a governança e reduzir o nível de corrupção enquanto continuar a tolerância da sociedade com esta desorganização fruto da incompetência. Não há inocentes neste enredo, a vítima é a esperança por um futuro melhor.

franz_josef

Sobre o colunista: Franz Josef Kaltner, Gerente de estimativas e Subcontratação na Technip, Coordenou Projetos de Engenharia, Equipamentos Mecanicos (Rotativos e Estaticos) e Sistemas Industriais. Responsável técnico na implantação de empreendimentos industriais em 15 (quinze) Estados do Brasil, nas áreas de petróleo, energia, mineração, alimentos, fontes renováveis, etc. Especializações:Gerenciamento de equipes, Formação de novos profissionais, mentoring em programa trainee.

E-mail de contato: fjkaltner@uol.com.br

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