Gerir uma crise é algo altamente desafiador. Independente dos motivos que possam ter levado à situação de instabilidade, sem o manuseio correto dos recursos a sobrevivência da instituição é ameaçada, podendo levar à sua extinção.
Intrinsecamente ligada a esse cenário está a comunicação conduzida pelo gestor e pela organização ao longo processo. Trata-se de um dos principais fatores dentre aqueles que podem conduzir ao sucesso ou ao fracasso ao enfrentar a condição adversa.
Pensando nisso, apresentamos abaixo 5 casos emblemáticos de gestão de crises que mostram como o desenvolvimento adequado ou não das iniciativas pode sustentar ou afundar de vez um empreendimento e as pessoas envolvidas nele.
A Johnson & Johnson e o Caso Tylenol, 1982
Em 1982 a Johnson & Johnson enfrentou uma das crises corporativas mais emblemáticas da história. Após o envenenamento de cápsulas de Tylenol com cianeto, 7 consumidores do medicamento morreram (FORNI, 2017, P. 17). Naturalmente, isso conduziu à insegurança de seus consumidores, ampla cobertura da mídia e investigações governamentais.
No entanto, mesmo diante de um caso tão grave, a empresa conseguiu reverter a situação e a forma pela qual ela conduziu as tratativas chama à atenção pela eficiência alcançada (MORAES, 2018).
Segundo Forni (2018, p. 17), para solucionar o problema e prevenir novas ocorrências, a empresa recolheu todos os medicamentos das prateleiras e criou uma nova embalagem, mas segura que a anterior. No entanto, a manutenção de sua imagem e credibilidade foram asseguradas por meio de um plano de comunicação que envolveu as seguintes etapas:
- Divulgou amplamente o ocorrido, inclusive sugerindo aos consumidores que não adquirissem o produto até que uma solução fosse encontrada;
- Noticiou e comprovou, por meio de total abertura e transparências, para a mídia e para o público que não se tratou de um erro industrial, mas de um caso de ação criminosa diretamente no produto acabado;
- Ofereceu aos consumidores a possibilidade de troca dos itens adquiridos por novas unidades com a embalagem à prova de contaminação;
- Assumiu a responsabilidade pela resolução do problema, arcando com todos os custos de retirada dos itens contaminados do mercado e disponibilização de outros mais seguros;
- Investiu amplamente em campanhas para esclarecimento da questão para o público em geral.
Adicionalmente a esses aspectos, tudo foi conduzido de forma ágil e com o próprio presidente da empresa na época, James E. Burke, como porta voz de algumas das principais iniciativas (MORAES, 2018).
O resultado foi que a empresa, apesar dos gastos imediatos para remediar o problema, manteve uma boa reputação no mercado e garantiu sua recuperação a longo prazo. Aqui temos um caso no qual a comunicação realizada externamente à organização se destaca e serve como um elemento crítico na resolução da crise.
O Atentado ao World Trade Center, 2001
O atentado ao World Trade Center pode ser encarado como uma das maiores crises de todos os tempos. É sabido que os EUA realizaram profundas modificações em seus sistemas de defesa e na própria forma como encara o terrorismo desde que o ataque ocorreu (Imagem: Sean Adair/Reuters).
Mesmo com um sistema robusto para gestão de crises, muitas oportunidades de melhoria e lições aprendidas foram extraídas do caso (BELÉM, 2018, p. 26). Apesar de se tratarem de diversas observações isoladas, todas remetem ao mesmo fator: comunicação.
Isso fica evidente diante dos principais fatores apontados por Belém (2018, p. 26) como fragilidades na resposta aos fatos ocorridos:
- Ausência de um sistema de comando unificado para todas as corporações envolvidas, tornando lenta, difícil e desorganizado o fluxo de informações entre eles;
- Planos independentes e incompatíveis das agências atuantes, impedindo a sinergia e a integração das frentes;
- Falta de planos formais por parte dos bombeiros;
- Ausência de uma missão claramente definida;
- Lentidão e dificuldade de comunicação com os oficiais que se encontravam nas torres, impedindo um senso de urgência e uma perspectiva adequada dos fatos. Muitos sequer sabiam da queda do segundo avião;
- Falha no sistema de rádio utilizado pelos bombeiros;
- Oficiais sem orientação seguiram de forma independente ao local, conduzindo atividades sem um comando adequado.
Tantos aspectos críticos em um evento de tamanha seriedade, naturalmente ajudam a agravar uma situação que, por si só, já é extremamente desafiadora. Não se pode afirmar que a ausência de qualquer dessas falhas houvesse impedido mortes ou outras situações adversas, mas é fácil perceber como a comunicação interna pode ser impactante na condução de intervenções a crises.
A Crise dos Pedais da Toyota, 2010
Em 2010 a Toyota, uma das maiores montadoras de veículos do mundo, enfrentou um caso que marca até hoje sua história: a crise dos pedais, ocorrida nos EUA (FORNI, 2017, p. 53). Após diversas denúncias ao longo de 2009 relacionadas com falhas mecânicas nos pedais de freio e aceleração dos carros da empresa, em 2010 uma família de 4 pessoas morreu devido a um problema semelhante.
A partir daí a empresa passou a ser sabatinada pelo público e pelo governo, que buscavam explicações para o fato. Quando precisou atuar diante da situação, a empresa mostrou despreparo e acabou desgastando sua marca frente ao público e gastando grandes montantes financeiros na recuperação (FORNI, 2017, p. 54).
Seguem aqui os aspectos que, segundo Forni, (2017, p. 53), representaram posturas indevidas por parte da organização:
- Falta de ação quando as reclamações iniciais foram recebidas, antes mesmo do acidente da família que morreu;
- Demora em se pronunciar e em formar um comitê para gestão da crise;
- Negação constante quanto à existência de algum problema mecânico;
- Omissão e até mesmo desaparecimento de alguns dos principais executivos da empresa;
- Tomada de medidas para correção do fato apenas quando foi obrigada pelo Governo norte-americano a fazê-lo.
Apesar da recuperação da empresa, que foi causada principalmente pelo fato de a crise ter ficado restrita aos EUA e por ela ter uma reputação sólida no mercado, suas vendas caíram 16% no país e ela ainda gastou mais de 2 bilhões com o processo de recall exigido.
O Naufrágio do Navio Canadense no Brasil, 2010
Em fevereiro de 2010 um veleiro com bandeira canadense, após enfrentar ventos fortes e ondas com mais de 2 metros de altura, naufragou próximo ao litoral carioca (GLOBO, 2018). Havia 64 tripulantes na embarcação, sendo que a maioria deles eram jovens de 10 a 17 anos sem experiência no mar, e todos foram resgatados com vida.
Segundo Forni (2017, p. 124), nesse caso o que fez grande diferença foi a preparação pré-crise. Por meio de exaustivos treinamentos, todos os envolvidos estavam preparados para uma situação adversa e sabiam de antemão exatamente o que fazer para que o pior não acontecesse.
Sendo assim, trata-se de um caso no qual a comunicação interna da organização se mostrou fator essencial para que a crise fosse solucionada, antes mesmo de se concretizar.
O Surto de Ebola no Oeste Africano, 2014
A crise enfrentada em 2014 na África devido ao elevado número de casos de Ebola identificados foi de grande seriedade para o país e ameaçadora para todo o mundo. Segundo Fischer II e Fischer (2018), em casos passados a doença chegava a matar 9 de cada 10 pessoas que a contraíam (Imagem: The Associated Press).
Diante dessa situação, uma segunda crise foi identificada internamente à situação que já representava grande gravidade por si só: por ser uma doença contagiosa, as equipes de tratamento tinham medo de ter contato com os pacientes, o que atrasava e dificultava as respostas ao problema (FISCHER II e FISCHER, 2018).
Para lidar com a situação, um dos principais caminhos foi o uso da comunicação que envolveu as seguintes medidas:
- Engajamento prático da equipe e das lideranças com os problemas enfrentados, o que ajudou a identificar boas práticas e pequenas mudanças que davam maior segurança aos processos desenvolvidos;
- Utilização de protocolos técnicos estruturados e bem definidos, que definiam claramente as etapas a serem seguidas para evitar situações de contaminação;
- Criar canais abertos à comunicação e ser flexível às mudanças necessárias para processamento das informações recebidas;
- Encontrar formas criativas de lidar com os problemas e comunicar isso às equipes envolvidas. Basicamente a ideia de que situações extremas exigem medidas extremas de resposta.
Por meio de práticas conduzidas com base nesses conceitos, a intervenção ganhou maior consistência e possibilitou uma resposta à altura do problema (FISCHER II e FISCHER, 2018). A confiança e a segurança dos profissionais se elevou, conduzindo ao um desfecho positivo do caso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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