Publicado em 26/09/2013
Resumo: Este artigo apresenta uma proposta de adequação do modelo de compras de uma organização para o gerenciamento de aquisições, que favoreça a gestão de projetos. A implantação de uma função de compras que atue de forma integrada as áreas da organização e participe de seus projetos, com foco na melhor solução em termos de custo total, e não nos ganhos em cada operação, melhora o desempenho dos projetos e de toda organização.
1. Introdução
O PMBOK do PMI (2013), identifica quatro processos relacionados ao gerenciamento de aquisições: o planejamento, a condução das aquisições, o controle de aquisições e o encerramento do processo; apresenta ainda classificações de tipos de contratos de aquisição e uma serie de ferramentas e técnicas para seu gerenciamento.
No entanto, o gerenciamento de aquisições é uma das questões mais difíceis com as quais os gerentes de projetos se defrontam, pois a maioria das empresas opera com a função de compras segregada das áreas operacionais e de seus projetos, tendo como principal indicador de desempenho a obtenção do menor custo de aquisição dos produtos e serviços demandados, o que muitas vezes dificulta a aplicação das técnicas de gerenciamento de aquisições do PMBOK.
Este artigo propõe um modelo de compras mais integrado à operação das empresas e à gestão de projetos, que busque ganhos de longo prazo pela constituição, qualificação e preservação de uma rede de fornecedores, baseados em negociação e em acordos, ao invés da preocupação com os ganhos em cada operação individual de compra.
2. Modelos de Compras
Ao analisarmos a função de compras em organizações podemos identificar dois modelos distintos, o tradicional e o progressivo. No modelo tradicional, a função compras não tem papel estratégico para a organização, é função de um departamento específico, segregado, que representa um centro de custos para a empresa. As compras são feitas como reação a pedidos efetuados pelas diversas áreas da empresa e o foco é em obter o menor custo de aquisição para o produto ou serviço demandado (SOUZA et al., 2009; BRAGA, 2006).
Esta visão tradicional, por suas limitações gera uma série de problemas para as organizações, e se mostra particularmente inadequada para o gerenciamento de projetos, pois ao contrário das compras regulares de uma empresa, que tendem a ser repetitivas, com fornecedores tradicionais, com os quais se já tem relacionamentos e contratos, as compras em projetos muitas vezes envolvem a identificação de novos fornecedores, novos produtos e serviços para a empresa, e mesmo o desenvolvimento conjunto com o fornecedor de soluções customizadas para o projeto.
Para atender esta necessidade é necessária uma reinvenção da função de compras, que tende a favorecer não só os projetos, mas toda a organização. No chamado modelo progressivo, a função de compras assume um papel estratégico, integrado ao negócio e a cada projeto. Os compradores deixam de fazer parte de um departamento segregado, passando a integrar as equipes da área de negócio ou de cada projeto da empresa.
Dessa forma ao invés de atenderem a “pedidos” de compras, passam a participar da definição da melhor solução para atender a necessidade da área, assumindo um papel proativo. O foco deixa de ser o “custo de aquisição” e passa a ser o “custo total”. No custo total de propriedade são considerados os custos ocultos, muitas vezes não identificados em um processo de aquisição tradicional, tais como custos de instalação, operação e manutenção, garantia oferecida pelo fornecedor, valores de revenda e processo de descarte do produto (BRAGA, 2006).
Como exemplo podemos citar a aquisição de um veículo, no modelo tradicional, a partir da solicitação da área interessada na aquisição de um veículo 1.0, a área de compras adquiriria o veículo com o menor custo de aquisição. Na abordagem progressiva, também seriam levados em consideração outros critérios, como o prazo e quilometragem de garantia, os custos de manutenção, o valor do seguro e a expectativa de valor de revenda, buscando aquele veículo, que ao longo de sua vida útil, representaria o menor desembolso para a organização.
Numa abordagem progressiva, a função de compras busca fixar contratos de longo prazo e qualificar fornecedores, não só para uso imediato, mas também para novos projetos da empresa. A qualificação de fornecedores envolve o estabelecimento de parcerias, a busca da integração logística para obter os menores prazos e as melhores condições de entrega, além de garantir um nível de qualidade apropriado (SILVA, 2007; BRAGA, 2006). O Quadro 1 apresenta a comparação dos dois modelos de compras, baseados em Braga (2006), Pearson e Gritzmacher (1990) e Baily et al. (2000).
Quadro 1 – Modelos de Compras
Tradicional |
Progressivo |
|
Posicionamento |
Tático |
Estratégico |
Estrutura organizacional |
Funcional, com baixa delegação de autoridade |
Matricial, com delegação de autoridade |
Visão financeira |
Centro de Custo |
Centro de Rentabilidade |
Visão da organização sobre a função compras |
Burocrática, reativa, função segredada (departamental) |
Ágil, proativa, função integrada à operação da empresa |
Fator de decisão nas aquisições |
Custo de aquisição (menor preço unitário) |
Custo total da solução (capacidade técnica, qualidade, duração do produto ou serviço) |
Troca de Informações |
Limitada a pedidos de compras, relatórios e reuniões |
Ampla, com participação no desenho de soluções, busca de informações interna e externa |
Relacionamento com fornecedores |
Antagônico, visão de curto prazo, visa redução constante de preços |
Cooperativo, visão de longo prazo, criação de parceiras, visa redução do custo total, melhoria de prazos e qualidade |
Planejamento |
Orçamento, visão contábil, baseada em exercício fiscal |
Longo prazo, visão de disponibilidade, baseada na vida útil dos produtos e serviços |
Tecnologia da Informação |
Pouca informatização, ligada ao processo formal de aquisições (aprovação e controles de estoques). |
Alta informatização, uso de sistemas ERP, Internet, Intranet e portais de compras. |
Fonte: Elaboração própria.
De acordo com Martins et al. (2000), dentro do papel da função de compras, inclui-se a definição, em conjunto com as áreas usuárias, e no caso de projetos, com os gerentes de projeto, da melhor estratégia de aquisições, entre as opções de verticalização e horizontalização. Na estratégia de verticalização a empresa produzirá internamente tudo o que puder e, na horizontalização irá comprar de terceiros o máximo possível dos itens que compõem o produto final ou serviços. O Quadro 2 apresenta as vantagens e desvantagens de cada estratégia, de acordo com Martins et al. (2000) e Carvalho (2011).
Quadro 2 – Vantagens e desvantagens da verticalização e da horizontalização
Verticalização |
|
Vantagens |
Desvantagens |
Independência de terceiros |
Maior investimento |
Maiores lucros |
Menor flexibilidade |
Maior autonomia |
Aumento da estrutura da empresa |
Domínio sobre a tecnologia própria |
|
Horizontalização |
|
Vantagens |
Desvantagens |
Redução de custos |
Menor controle tecnológico |
Maior flexibilidade e eficiência |
Deixa de auferir o lucro do fornecedor |
Incorporação de novas tecnologias |
Maior exposição |
Foco no negócio principal da empresa |
Fonte: Carvalho (2011).
3. Considerações finais
A proposta deste artigo foi a apresentação de um modelo de compras mais apropriado a empresas que operam com projetos, o modelo progressivo, que tem um enfoque estratégico e opera de forma integrada com as áreas da organização em busca de soluções que propiciem o menor custo total.
Uma questão importante é que qualquer modelo de compras deve ser adequado à realidade, aos recursos disponíveis na organização e refletir as práticas do setor de atuação da empresa. Os modelos propostos devem sempre estar sujeitos a revisões e adaptações ao contexto de cada organização ou projeto.
Referências
BAILY, Peter et. al. Compras: princípios e administração: 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000. 471 p.
BRAGA, Ataíde. Evolução Estratégica do Processo de compras ou suprimentos de bens e serviços nas empresas. 2006. Disponível em < http://www.ilos.com.br/web/index.php?option=com_content&task=view&id=692&Itemid=74> Acesso em 28 ago. 2013.
CARVALHO, Altamiro. Gestão Estratégica de compras. 2011. Disponível em < http://almirocar.blogspot.com.br/p/gestao-estrategica-de-compras.html> Acesso em 15 ago. 2013.
MARTINS, Petrônio Garcia; ALT, Paulo Renato Campos. Administração de materiais e recursos de patrimoniais. São Paulo: Saraiva, 2000. 353 p.
PEARSON, J.N.; GRITZMACHER, K. J. Integrating purchasing into strategic management. Long Range Planning, vol. 23, no 3, 1990.
PMI. Project Management Institute. A guide to the Project management body of knowledge (PMBOK Guide). 5a edição. 2013.
SILVA, Sandra H. Estruturação e implementação de um departamento de compras: Um estudo de caso em uma empresa de serviços. Dissertação de mestrado. Departamento de Engenharia Industrial. PUC-Rio. Rio de Janeiro. 2007.
SOUZA, Maria C. A. F.; BACIC, Miguel J. BERNARDES, Jose M. R. A Gestão Estratégica das Compras como Política para Reduzir Custos. Gestão & Regionalidade. Vol. 25 No 74. mai-ago 2009.
Sobre o Colunista:
Luciano Quinto Lanz, certificado como Project Management Professional (PMP) pelo PMI, Doutorando em Administração e Mestre em Administração pela PUC/RJ, MBA em Finanças pelo IBMEC-RJ, Pós-graduado em Auditoria Fiscal e Tributária pela UGF e em Docência do Ensino Superior pela UCAM-RJ, graduado em Administração pela UFRGS. Trabalha há mais de quinze anos na área financeira, em empresas como IBM Brasil, TV Globo, Embratel, Sistema Globo de Rádio e Concremat. Atualmente trabalha no BNDES.
E-mail de contato: lqlanz@yahoo.com.br
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Excelente artigo, nos faz refletir a importância da integração do setor de compras, uma vez que ela permite a sinergia que pode ocorrer entre os vários projetos,que podem ocorrer simultaneamente em uma empresa, além de facilitar para que as compras sejam mais alinhadas com os prazos, custos e a qualidade que o projeto exige. O grande problema da gestão de compras tradicional é que ela se limita a cotar e decide pelo menor preço, mas nem sempre o menor preço é o melhor custo benefício ou vai atender bem o projeto. O grande diferencial da compra progressiva é a possibilidade de fixar contratos de longo prazo e qualificar fornecedores, o que otimiza novas aquisições. Dentro deste mesmo assunto o artigo nos mostra a verticalização e horizontalização das aquisições, e destaca a importância de definir-se qual modelo é mais adequado para a empresa, uma vez que quando se trabalha mais horizontalmente deve- se atentar para não criar um vinculo de dependência onde não consiga existir concorrência.
Muito bom o Artigo. Eu concordo no ponto de vista da integração da área de compras com o setor operacional da empresa.Se Antigamente a área de compras exercia a compra de materiais e contratação de serviços para atender as necessidades dos solicitantes utilizando a politica de menores custos, essa cultura antiga poderia gerar a aquisição de produtos/serviços que não atendiam totalmente os requisitos do solicitante. Assim, com a proposta de uma área de compras integrada,gera menos desperdício de tempo e dinheiro. Pensando no ponto de vista estratégico da empresa, um setor de compras integrado com o setor operacional tem a missão de encontrar as melhores soluções para as demandas dos projetos com os melhores produtos que atendam não só o projeto solicitante mas que também tenha benefícios para organização, já que o setor estará envolvido na concepção da aquisição e assim poderá avaliar outros custos além do custo de compra do produto.
Muito bom o artigo! Assunto de relevância e que deve ser ampliado as demais áreas de projetos. A integralidade de processos de compra e essencial para diminuir retrabalhos, ligado ao processo de qualidade e a diminuição de custos, ou otimização de recursos, processos ligados aos custos dos projetos.
Comprar insumos junto com a área de especificação , e produção. È importante para os projetos que todos os processos estejam alinhados e integrados. Há um movimento das empresas para que essa integralidade aconteça.
Camila Martins de Jesus – Gestão Estratégica de Projetos – UNA 1/2017- Aula de Aquisições.
Ótimo artigo!
Na atualidade as coisas mudam muito rápido. Sendo assim a empresa que quiser ser mais competitiva deve fazer do setor de compras parte de suas estratégias. Olhar apenas para os custos de aquisições é uma visão muito pobre, prova disso são alguns setores públicos que fazem suas compras baseados apenas nos valores de aquisição deixando de lado itens talvez até mais importante que o custo inicial como qualidade, duração, atualização tecnológica, valor de manutenção baixo, etc.
A visão mais adequada de compras deve sempre levar em consideração os benefícios de longo prazo, pois o barato hoje pode custar caro amanhã.
Marcelo Gomes de Carvalho
Muito bom este artigo. As mudanças no setor de compras está ficando cama vez mais clara a necessidade de se ajustar as demandas do setor e mercado. O tradicional já não está atendendo mais. A visão estratégica está sendo necessárias para se atingir os objetivos das empresas. Por isso, os profissionais da área de compras terão se qualificar e aprimorar seus conhecimentos para conseguir acompanhar todas estas mudanças.
Excelente artigo. Antigamente a área de compras coordenava o fluxo contínuo de suprimentos, compras de materiais e serviços para atender as necessidades dos usuários e com o objetivo de obter os menores custos. Hoje a área é vista como estratégica dentro das organizações. Ela tem a missão de encontrar as melhores soluções para as demandas, melhores produtos, criando cada vez fornecedores parceiros e qualificados. Buscando a visão do todo de um processo, reengenharia das atividades, influenciando nas tomadas de decisão e interagindo com outros setores da organização.