Publicado em 07/08/2018
Estamos aqui novamente para tratar de um tema recorrente e, em certo grau, polêmico. Quanto e como cobrar pelo desenvolvimento de Projetos de Arquitetura e Engenharia?
Obviamente, não posso deixar de destacar o que todos já destacam: cada caso é um caso e não há uma regra para definir o valor dos projetos. Mas, como todos fazem também, é possível sugerir alguns bons parâmetros para balizar esta avaliação.
Como é do meu feitio, me prendo mais aos “porquês” do que aos “comos” e é nessa linha que pretendo discorrer. Primeiramente falando de alguns procedimentos comuns no mercado e por fim, sugerindo uma abordagem que siga alguma lógica e que, portanto, possa ser justificada e explicada a partir desta.
Uma das formas mais comuns de precificar os serviços de elaboração de projetos de arquitetura e engenharia é com um valor por metro quadrado. Define-se cobrar um valor em reais por metro quadrado de obra. Por exemplo, R$ 75,00 de projeto por metro quadrado de obra. Uma obra de 1000 m2 teria seus projetos valorados, então, a R$ 75.000,00. É uma forma simples, rápida e direta. Permite decompor o valor em várias disciplinas de projeto como arquitetura, estruturas, instalações elétricas, etc. definido parcelas correspondentes a cada uma O dilema neste procedimento está em definir o índice: quanto se deve cobrar por metro quadrado de projeto? Para responder a essa questão, diversas associações profissionais estabelecem tabelas com tais índices e, para abarcar várias tipologias de empreendimentos, estabelecem índices diferentes por tipologia e porte. Assim, o que era simples começa a ficar complicado e os profissionais precisam sempre ter em mãos as tabelas referenciais. Mas não há como negar que é uma forma popular de resolver o problema de precificar os serviços. Não considero uma boa forma, mas sem dúvida é uma solução.
Outros procedimentos são mais rigorosos na análise e orientam listar os custos do trabalho, compor preços para horas técnicas baseados em salários almejados pelos profissionais, depreciar equipamentos e softwares, agregar impostos e outras despesas, etc. Esses cálculos são bem mais complexos (embora tabuláveis com relativa facilidade) e invariavelmente conduzem a valores superiores aos do procedimento anterior (aquele por metro quadrado). Repare que para usar este segundo procedimento é preciso um planejamento prévio detalhado e cálculos mais trabalhosos. Na melhor das hipóteses, é preciso um recurso de automatização de cálculos e previsões como um software ou uma planilha de excel.
Alega-se que neste segundo procedimento, resultam valores raramente praticáveis no mercado e no primeiro, valores baixos que não remuneram adequadamente ou satisfatoriamente o serviço. Está estabelecido o dilema: uso tabelas referenciais, uso planilhas, trabalho com valores tendendo para baixo ou para cima? E ainda, como explicar o valor se isso for necessário? O segundo procedimento é bastante defensável, mas difícil de explicar. O primeiro é fácil de explicar, mas carece de um argumento sólido para justificar o valor original da referência tabelada.
Surgem ainda as seguintes situações:
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E se houver um serviço (uma disciplina de projeto ou especialidade) cujo valor referencial por metro quadrado não estiver tabelado?
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E se não houver boas referências para prever despesas, consumos e horas de trabalho?
Enfim, ambos os métodos podem ser criticados. E, de fato, qualquer procedimento poderá ser criticado, pois, afinal, nenhum procedimento traduz a complexidade e é flexível o suficiente para contemplar qualquer situação. No fundo, a determinação do preço a ser cobrado pelo desenvolvimento de projetos AEC será sempre uma tarefa difícil. Qualquer tentativa de facilitá-la é uma mera definição de referência. Cada caso exigirá seus ajustes próprios e sempre haverá um risco (o risco associado ao negócio de desenvolver projetos).
Há uma terceira forma de que gosto bastante. Primeiro por sua facilidade de uso. Segundo por possuir uma lógica que permite aplica-la genericamente sem depender de tabelas específicas ou de planejamentos mais detalhados (embora isso seja sempre necessário para gerir o processo de desenvolvimento do projeto). Trata-se de estabelecer o valor do projeto como porcentagem do valor da obra. Se vc usar valor da obra já com BDI, terá valor de projeto já com BDI. Se usar valor de custo, terá valor de custo (o que é útil quando quiser incidir um BDI bastante diferenciado dos praticados em obras). Aqui a referência é o valor da obra, mas para esse é relativamente simples encontrar parâmetros aceitáveis e justificáveis. Há o CUB, cujo valor é corrigido mensalmente pelos SINDUSCON. Há também o SINAPI, da CEF. E há sempre a possibilidade de recorrer aos preços de imóveis novos divulgados por incorporadoras (mas para isso é preciso saber quanto do valor venal não se refere a obra, o que pode ser da ordem de 50%, conforme o caso). O fato é que sempre haverá uma referência de mercado para o valor da obra (custo ou preço de venda).
Esse terceiro procedimento recomenda aplicar sobre o valor da obra, um percentual para determinar o valor do projeto. Se for interessante, pode-se fazer isso por metro quadrado de obra e tem-se um valor de projeto por metro quadrado, recaindo no primeiro procedimento.
E a porcentagem a ser aplicada sobre o valor da obra? Ora, esse é o ponto crucial. E aqui vale uma reflexão…
Se você considera a obra totalmente pronta, o cálculo resultará no valor do projeto totalmente pronto. Ou seja, o valor resultante dessa conta refere-se ao preço (ou custo se for usado custo da obra) do projeto em seu último estágio de desenvolvimento e com todos os componentes que lhe são pertinentes. E fica a reflexão: qual o último estágio de desenvolvimento do projeto e quais os componentes do resultado a ser entregue neste estágio? Quem não sabe responder a essa questão, não tem como precificar projetos (até porque não terá como desenvolvê-lo, pois não sabe onde deve chegar).
Se a obra é considerada pronta e operacional, então as interferências estão todas resolvidas. Ou seja, o valor do projeto é dele já completamente compatibilizado. Dessa conclusão resta um corolário que gosto muito de repetir: não existe projeto em partes (assim como não existe obra funcional em partes), ou é tudo, ou não é projeto finalizado. Não sendo finalizado, não pode ser precificado como tal.
Há uma pergunta frequente nessa forma de precificar o projeto: o que está incluso no projeto, quais disciplinas ou especialidades? A resposta é lógica: tudo o que estiver computado no valor da obra? Assim, para que englobe, arquitetura de interiores, é preciso considerar o valor de móveis, revestimentos, adornos e tudo o mais que seja pertinente a essa disciplina de projeto. Raciocínio análogo serve para paisagismo, ar condicionado, etc. Vale aqui a ressalva de que o CUB (referência muito utilizada) não considera inúmeros itens que necessariamente compõem a obra e, consequentemente, o projeto. É uma referência boa, mas perigosa se mal entendida (e quase sempre o é).
Outra questão comum: como separar o valor por disciplinas? Essa separação é natural se o valor da obra for decomposto em itens relacionados às disciplinas. Havendo uma base de dados de orçamentos de obras já concluídas, não é difícil inferir parâmetros para essa decomposição. O mais difícil aqui é ter a base de dados organizada e estruturada adequadamente para encontrar índices para essa decomposição. Trata-se de um exercício interessante.
Perceba que essa forma de precificar pressupõe que o projeto é integral, assim como necessariamente é a obra. Pressupõe ainda que todos os componentes do projeto necessários à execução da obra estão incluídos no valor dela e devem ser desenvolvidos pelos projetistas.
Voltemos à porcentagem a ser aplicada sobre o valor da obra. Se queremos que empreendedores invistam em projetos, precisamos cobrar deles uma porcentagem menor do que os ganhos que ele terá com nosso trabalho. Assim, se aplico, por exemplo, 5% do valor da obra, estou afirmando que meu projeto proporcionará ao empreendedor um retorno maior que esses 5%. Apenas como observação, não é difícil encontrar projetos que agregam custos ao empreendimento várias vezes superiores ao seu preço, numa demonstração de que não valiam, a rigor, nada, do ponto de vista econômico-financeiro (não retornam valor, mas aumentam despesas operacionais ou de implantação). Por outro lado, é importante frisar que o valor de um projeto não é apenas econômico-financeiro, dependendo da tipologia do empreendimento (embora sempre deva-se procurar uma forma de valorar objetivamente as soluções de arquitetura e engenharia). Sabemos, finalmente, que gerar economia ou agregar valor ao empreendimento é tão mais provável quando mais o projeto é desenvolvido de forma colaborativa, sistêmica e integral.
O SINAENCO – Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva – produziu em 2011 o Roteiro de Preços – Orientação para Composição de Preços de Estudos e Projetos de Arquitetura e Engenharia (http://sinaenco.com.br/wp-content/uploads/2016/08/ROTEIROdePRECOSversao2011.pdf). Num dos anexos desse documento há um ábaco, no qual pode-se buscar a referência para a porcentagem a ser aplicada sobre o valor da obra. Perceba que qualquer obra com valor inferior a 1 milhão de dólares incorre num valor de projetos maior que 7,5%. Numa obra residencial de cerca de U$100.000,00 seria praticado 9% como valor de projetos. E assim por diante…
Para finalizar, consideremos um valor final de obra da ordem de R$ 2.500,00/m2 (esse é um valor razoável para obra finalizada de médio padrão, já com BDI). Suponhamos que trata-se de uma residência de 200 m2 e, portanto, já de um padrão médio a alto. Temos uma obra de R$ 500.000,00 ou U$150.000,00 aproximadamente. Pelo ábaco, teríamos cerca de 8% de projeto, ou seja, R$ 40.000,00, aí incluídos todas as disciplinas necessárias à completa construção do imóvel. Para curiosidade, isso refere-se a R$ 200,00 por metro quadrado de projeto.
A pergunta que não cala é: no empreendimento descrito acima, você é capaz de proporcionar soluções que superem os R$ 40.000,00 de agregação de valor ao empreendimento?
Sobre o autor:
Renê Guimarães Ruggeri. Formado em Engenharia Civil, MBA em Gestão de Projetos, Especialista em Gestão de Empresas, 20 anos como Coordenador de Projetos AEC, autor dos livros “Redescobrindo o Processo do Projeto” (2015) e “Gerenciamento de Projetos no Terceiro Setor” (2011), Eng. Máster Coordenador de Projetos na Vale S/A (2011-2015), Professor da Academia Militar de MG no CFOBM (2003-2010), Diretor de Projetos da FEOP(2006-2008), participação em mais de 100 Projetos AEC de variados portes e tipologias (1995-2015), Instrutor, palestrante e escritor nas áreas de Engenharia de Projetos e Gestão de Projetos. Atualmente é Sócio-Proprietário da Renê Ruggeri Engenharia e Consultoria e atua com Gestão de Empreendimentos com foco em Gestão de Engenharia. Email de contato: rgruggeri@gmail.com. Site: https://www.reneruggeri.com/
O artigo mostra com a clareza as várias formas de se precificar um projeto com base em técnicas baseadas em boas praticas e ou referências bibliográficas, trabalho com gerente de engenharia e manutenção de uma empresa, sempre que vamos confeccionar um planejamento orçamentário anual dos investimentos, nos deparamos com a necessidade de estimar valores para execução de projetos futuros e temos justamente a dificuldade de achar o ponto de congruência correto. Além dos itens colocados acima nos deparamos também com o grau de complexidade técnica em que é requerida do projetista pois não podemos utilizar o mesmo percentual para projetos com complexidades distintas, temos com exemplo um restauro de um imóvel tombado que requer minucias de detalhes e um tempo de execução maior, comparando à um projeto de uma reforma interna.
Enfim o artigo nos faz refletir a cerca do assunto e devemos amadurecer o tema afim de aprimorarmos esta técnica.
O artigo mostra a dificuldade e a importância da precificação correta de um projeto. Em alguns ramos de desenvolvimento de projetos, essa prática pode parecer mais simples, rápida e direta devido à utilização de tabelas, mas sabemos que não é bem assim. O certo é que para todos os projetos, o tempo e o recurso disponível para elaborar o orçamento serão cruciais para estabelecer a sua assertividade. Conhecer o seu BDI e o valor de venda praticado pelo mercado será fundamental para estabelecer o sucesso ou o fracasso do seu empreendimento. Se apegar a planilhas ou formulas prontas é extremamente arriscado.