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O desafio da engenharia na Crise no Brasil

Publicado em 04/11/2015

Em qualquer roda de conversas no Brasil, não se fala em outro assunto; o tamanho da crise econômica e política, suas consequências em nossas vidas e a opinião generalizada de que esta é a maior de todos os tempos. Como tenho a opinião de que esta tese não se sustenta, procurei trazer de volta algumas lembranças da minha trajetória de vida para dar a minha contribuição sobre o tema.

Neste mês de setembro comemoro 50 anos ininterruptos de trabalho em tempo integral, foi nas comemorações do 4º centenário da cidade do Rio de Janeiro que iniciei minha longa jornada participando do grande processo de mudança que transformou o Brasil de uma sociedade rural na sofisticada e complexa estrutura social atual. O início foi o trabalho como “Office Boy” no “Foto Halifax” um pequeno estúdio fotográfico na Rua Buenos Aires, em frente ao “Mercado das Flores” no centro da cidade do Rio de Janeiro. Dali ainda me lembro de um ilustre morador de rua que passava o dia incomodando as moças que usavam minissaias, enquanto desenvolvia suas habilidades de escritor e pensador e, hoje é reverenciado como o “Profeta Gentileza”. Estudando a noite desde o 2º ano do ginásio em curso noturno na cidade de Nova Iguaçu, depois conciliando a partir de 1972 o trabalho com os estudos de Engenharia na UFRJ em um campus na “Ilha do Fundão” recém ocupado, período em que já trabalhava na área de “Projetos de Engenharia”, depois a formatura e uma longa carreira pelo Brasil e Exterior.

Em 1965 a moeda vigente era o Cruzeiro. A legislação trabalhista ainda estava em evolução. Havia a carteira de trabalho para menor, como menor de idade recebia-se 0,5(meio) salário mínimo, podia-se trabalhar e estudar a noite com 12 (doze) anos como era a minha situação, não havia 13º salário, abono de férias nem FGTS ou PIS. A maioria da população se aposentava aos 50 anos e se morria de velhice alguns anos depois, o transporte público era precário, a viagem da baixada fluminense para o centro da cidade que fazia diariamente já era um suplício, a demora no retorno fazia com que às vezes perdesse o primeiro horário de aulas. Outras vezes havia grandes operações policias do exército para reprimir os movimentos de esquerda e aí não dava nem para voltar para casa pois invariavelmente todas as saídas da cidade eram fechadas. Não havia garantias mínimas para o cidadão, a polícia podia te prender por vadiagem se você não tivesse como provar que trabalhava e, a população pobre sofria com os grupos de extermínio (esquadrões da morte) que proliferavam pelos subúrbios. As famílias de classe média não tinham casas de campo e automóvel individual, quando muito isto era privilégio do patriarca, e esses bens eram compartilhados pela família. O congestionamento para o acesso à região dos Lagos, se limitava a uma enorme fila de automóveis na praça XV para embarcar no ferry-boat para Niterói. Não havia ponte nem BR-101.

Neste meio século, o País passou por vários ciclos de crescimento e recessão. Gravíssimas crises políticas e econômicas, hiperinflação, troca constante de moeda, tivemos o Cruzeiro, Cruzeiro Novo, a volta do Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro real e agora o Real. Períodos de supressão de liberdade de expressão e perseguição política. Alguém em sã consciência acredita que nestes tempos a vida era mais fácil que agora ou que as oportunidades surgiam sem esforço?

Mas também era um período de grandes sonhos e esperança. Podia se estudar em escola pública noturna como no meu caso, aluno do “Colégio Municipal Monteiro Lobato” em Nova Iguaçu e sem ENEM nem cotas, simplesmente com o apoio dedicado dos professores, que tinham recursos infinitamente inferiores aos de um professor de escola pública atual, passar no vestibular de uma universidade de primeira linha, a sociedade estava engajada na construção de um Brasil melhor. Participei com grande entusiasmo deste processo e acredito ter dado a minha modesta participação.

Como Engenheiro Mecânico, minha especialidade, tive a felicidade de participar de dezenas de empreendimentos industriais e agroindustriais em 14 estados do Brasil. Participei de projetos e programas pioneiros em ciência e tecnologia na área de energias renováveis. Nos 20 anos que trabalhei na Amazônia desenvolvi com orgulho projetos de engenharia de baixa tecnologia, participei ativamente no desenvolvimento do agronegócio “Óleo de palma” e também participei dos grandes projetos de mineração e metalurgia que mudaram o perfil da região. Tive também o prazer de participar desde o início no Rio de Janeiro do desenvolvimento de projetos de engenharia para exploração de petróleo na “Bacia de Campos”, implantação de refinarias de petróleo e polos petroquímicos, usinas de produção de energia e muito mais.

Mas qual a razão de expor um pouco da minha atividade nestes anos? Todos estes grandes empreendimentos que participei aconteceram durante gigantescas crises econômicas e políticas e nem por isso entregamo-nos ao desanimo, mesmo nos piores momentos os indicadores sociais andavam para a frente. O que não podemos confundir é a velocidade com que as coisas acontecem de fato com a velocidade que gostaríamos que acontecessem. O país é muito maior que estas crises cíclicas, mas não é possível crer que alguma coisa vai mudar sem o engajamento da sociedade no processo de melhoria de nossas instituições públicas e sistema político, acreditar que o governo dá alguma coisa a sociedade, que emprego público e estabilidade de emprego é solução de todos os males, acreditar que existe almoço grátis, ter inveja de amigos ou parentes que se deram bem num daqueles empregos públicos em que não se trabalha e tantas outras crenças de uma sociedade que espera que a prosperidade caia do céu.

Este não é um relato de um engenheiro aposentado ou em vias de se aposentar, pois depois de todos estes anos, a medicina também evoluiu, não se está inutilizado para o trabalho com cinquenta e tantos anos. Hoje temos um importante indicador de saúde que é a idade metabólica e a minha de acordo com os meus médicos é de 47 (quarenta e sete anos), portanto posso afirmar que trabalho além de não matar, faz muito bem para a saúde. Continuo em plena atividade acreditando que o farei parte do mercado de trabalho nos próximos 10 anos, e estarei aqui enfrentando esta e as próximas crises que virão.

Com a experiência adquirida ao longo dos anos, desafio os mais jovens a olhar para trás, conversar com seus pais e avós para respeitosamente entender que as dificuldades por quais eles passaram foram infinitamente maiores do que o momento atual, as gerações passadas sempre foram para as ruas para impedir que uma minoria de maus cidadãos destruísse o patrimônio construído com tanto esforço pelo povo brasileiro.

A “crise real” que o país está vivendo hoje é a omissão das novas gerações do debate político e social, nada mudará enquanto esperarmos sentados por uma solução, precisamos sim nos mobilizar, participar do debate frequentar reuniões de sindicatos e partidos, protestar nas ruas, o nosso comportamento seria aceitável em países maduros com instituições consolidadas e esse definitivamente não é o caso do Brasil.

franz_josef

Sobre o colunista: Franz Josef Kaltner, Gerente de estimativas e Subcontratação na Technip, Coordenou Projetos de Engenharia, Equipamentos Mecanicos (Rotativos e Estaticos) e Sistemas Industriais. Responsável técnico na implantação de empreendimentos industriais em 15 (quinze) Estados do Brasil, nas áreas de petróleo, energia, mineração, alimentos, fontes renováveis, etc. Especializações:Gerenciamento de equipes, Formação de novos profissionais, mentoring em programa trainee.

E-mail de contato: fjkaltner@uol.com.br

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