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O lado não tecnológico do BIM (Building Information Modeling)

Publicado em 22/10/2015

Realizamos entre os dias 17 e 19 de Agosto de 2015 o primeiro evento sobre BIM (Building Information Modeling) no Mato Grosso do Sul, motivo pelo qual estive um pouco afastado desse nosso blog. Além de um Road Show de tecnologias BIM, tivemos um Workshop para discutir a situação atual e as demandas quanto ao uso eficaz do BIM no mercado.

O BIM tem sido talvez o assunto mais tratado nos meios profissionais relacionados a projetos de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC) nos últimos tempos, sobretudo nas redes sociais. As apresentações, discussões, debates, etc. são puxadas quase sempre por profissionais e empresas que usam tecnologias baseadas no conceito BIM e são normalmente bastante focadas no aspecto tecnológico. Mas BIM tem um lado não tecnológico pouco explorado. Sem dúvida é citado eventualmente nas discussões, mas pouco explorado ou aprofundado.

Evidentemente, o lado tecnológico do BIM (softwares, recursos, serviços em nuvem, etc.) é ponto fundamental a ser tratado. Mas isoladamente não garante o sucesso na adoção do BIM. Como recurso com disseminação ainda incipiente, temos visto casos felizes de uso aqui e ali, mas sempre limitados a um elo ou outro da cadeia produtiva da construção civil. Mais à frente poderemos ter que procurar explicações sobre o porque não foram atingidos os resultados propagandeados em relação ao BIM. Não me refiro às implantações em grandes empresas, que não representam a maioria dos profissionais. Estou falando dos pequenos escritórios e profissionais autônomos. Estes sim, atendem a uma expressiva parcela da sociedade e não possuem as condições de investir em grandes processos de implantação de BIM.

O BIM não é apenas mais uma tecnologia que desponta. Talvez esse seja o grande equívoco que corremos o risco de cometer ao tratar do tema. O BIM tem sim seu lado tecnológico, mas é o seu lado de Processo de Desenvolvimento do Projeto (PDP) que pesa na obtenção de sucesso. É esse aspecto pouco explorado que consolida a fundação sobre a qual os objetivos mais vantajosos do BIM serão atingidos. Precisamos voltar a discutir o Processo do Desenvolvimento do Projeto, agora com a contribuição do BIM.

O CAD surgiu no Brasil popularmente a partir da década de 90. Já são pouco mais de 20 anos de CAD no mercado e ainda teremos mais alguns anos. Contudo, apesar de todas as possibilidades que o CAD permitiu e permite, muitos setores do mercado AEC (senão a maioria dele) não soube se aproveitar disso. Não é difícil encontrar profissionais, escritórios de projeto, empresas, etc. que ainda usam CAD como ferramenta de desenho simplesmente. É claro que com algumas vantagens sobre a tradicional prancheta, mas ainda um recursos usado simplesmente com foco no desenho. Informatizamos o processo, o que é bem diferente de transformá-lo. As poucas transformações no Processo de Desenvolvimento do Projeto nesses casos vieram por força da(s) ferramenta(s) CAD. Não foram planejadas, mas sim assimiladas forçosamente. Essas poucas transformações foram implantadas para evitar ou sanar problemas que a própria ferramenta trouxe consigo. Ou seja, o objetivo não era otimizar o que já se tinha, mas sanar problemas que não se tinha. Já em 2000 apresentei trabalho em um congresso que indicava isso e falava da necessidade de pensar uma remodelagem dos processos de trabalho. Mas na época a forma de fazer isso não era tão clara quanto ficou depois.

Não estou evidentemente dizendo que CAD foi um problema ou um retrocesso. O que afirmo é que o CAD foi implantado geralmente apenas como uma nova tecnologia e não como uma nova plataforma que condiciona o PDP. E isso nos custou algumas oportunidades que não conseguimos aproveitar porque estávamos focados na tecnologia.

Lembremos que adoção de CAD nem sempre contribuiu para melhorar a qualidade dos projetos e, algumas vezes (mais no início do processo, é verdade) pôde ser identificada como causa de problemas. Após 20 anos de CAD ainda assistimos inúmeros problemas de projeto semelhantes aos de 30 anos atrás.

O fato é que atualmente, mesmo com a adoção do CAD, uma enorme parte do mercado ainda trabalha na chamada Engenharia Sequencial. Não atingimos plenamente o estágio da Engenharia Simultânea e já falamos em Engenharia Integral. Costumo dizer duas coisas em relação a isso, fazendo jogo de palavras com um ditado popular largamente conhecido:

1- Na prática a teoria não é outra, só está atrasada.
2- Quem faz prática e teoria somos nós e se estão descompassadas é porque estamos sendo incompetentes numa delas.

Obviamente isso é mais uma provocação do que uma crítica.

Mas voltemos ao BIM…

O conceito do Building Information Modeling representa um avanço enorme na direção da consolidação do paradigma da virtualização (escrevi sobre este paradigma há algum tempo no meu blog www.reneruggeri.com). A ideia do BIM e as tecnologias desenvolvidas sobre ela abrem um novo status para a virtualização de empreendimentos. Agora nossos objetos manipulados (tanto CAD quanto BIM são orientados a objetos) deixam de ser meramente figuras geométricas (retas, planos, polígonos, etc.) e passam a ser objetos com correspondente real. Lembremos que figuras geométricas são definições matemáticas abstratas. Não existe concretamente um ponto ou uma reta, já que estes não possuem dimensão ou espessura por definição. Já os objetos manipulados pelas tecnologias BIM devem ser construídos à luz da realidade concreta. Ou seja, precisam ser definidos previamente tanto em termos geométricos quanto em diversos outras características e propriedades. Manipulamos agora, paredes (com materiais, espessuras, camadas, propriedades físicas), equipamentos, sistemas, etc. Definidos os objetos com essa precisão podemos focar nas relações entre eles, onde de fato ocorre a criação de soluções.

Porém, não sejamos iludidos! A tecnologia é acéfala (por mais que digamos que ela possui recursos de inteligência). Ela aceitará uma definição de objeto impossível de ser concretizado. É possível definir objetos que não tenham um correspondente específico na realidade.

Aqui surge um conceito primordial para o sucesso do BIM: distinguir o que é virtual do que é fantasia. Fantasia é aquilo que não tem correspondente concreto, real. Virtual é aquilo que, embora inserido dentro de um recurso tecnológico, possui um correspondente real bem definido. Se queremos atingir o ápice da virtualização dos empreendimentos, devemos conhecer bem a realidade para criar objetos e relações que a virtualizem. Trabalhar com objetos que não possuem correspondentes reais nos prenderá no universo da imaginação e nossos projetos continuarão no espaço da fantasia e não no da virtualização, ambos acessíveis pelas tecnologias BIM. Isso pode ser sutil, mas essa consciência é crítica. E consciência não é algo que a tecnologia tenha. Essa responsabilidade é dos profissionais.

Outro aspecto fundamental para o sucesso do BIM é a incorporação da complexidade, característica da realidade, no espaço virtual. Isso é conceitualmente óbvio. Se o virtual pretende ser uma réplica abstrata da realidade, ele deve traduzir na medida do possível sua complexidade. Em termos práticos, não existe estética dissociada da técnica. Não existe arquitetura dissociada de estruturas ou de sistemas. O empreendimento, mesmo o virtual, não é um soma aritmética ou algébrica de parcelas, mas a composição de partes que interagem. A sinergia das chamadas disciplinas de projeto ou especialidades precisa ser consolidada. Este é o conceito sobre o qual repousa o pilar da interoperabilidade no conceito BIM. Não se trata meramente de juntar coisas feitas isoladamente por vários profissionais e procurar interferências. O ápice dessa virtualização ocorrerá quando, durante o PDP, todas as disciplinas ocorrem simultaneamente. Aliás, bem do jeito que é a realidade em obra. Não existe espaço para a engenharia sequencial no conceito BIM.

Nenhuma tecnologia fará com que o profissional atinja o estágio necessário para esse pensamento complexo. Esse é um esforço de desenvolvimento individual e tipicamente humano. Aliás, esse pensamento complexo só pode ser atingido coletivamente e não individualmente. Outro pilar do conceito BIM é a colaboração exatamente porque é reconhecida nossa limitação para lidar com a complexidade da realidade individualmente. Não se trata de uma opção, mas de uma necessidade competitiva no mercado (que é real, diga-se de passagem).

Pois bem, esses são alguns aspectos que me fazem crer convictamente que os processos de implantação de BIM nas organizações são muito mais culturais do que tecnológicos. A tecnologia é adequada a essa mudança cultural e, como está apenas iniciando, ficará cada vez mais ajustada. Mas ela (a tecnologia) não será aproveitada se a transformação cultural não for atingida previamente ou simultaneamente.

Tratar o processo apenas como tecnológico ou admitir que a tecnologia sozinha será capaz de produzir o “ajuste” cultural será análogo ao que fizemos com o CAD. Daqui a 20 anos veremos mudanças de processos criadas para corrigir problemas que não existiam antes do BIM. Seremos forçados a aceitar uma mudança medíocre no PDP pelo fato de que nem sequer seremos capazes de compreender tais mudanças profundamente. Não chegaremos a usufruir dessa evolução porque não fomos capazes de nos abrir à transformação cultural necessária. Continuaremos tratando a complexidade dos empreendimentos como algo intelectual e teórico, intransferível para a realidade prática. Continuaremos de frente para as possibilidades que a tecnologia oferece sem sequer cogitar seu uso pelo fato de não dominarmos os fundamentos conceituais do PDP para fazer a correlação.

Afinal, interoperabilidade, por exemplo, já estava disponível com a tecnologia CAD (apesar de uma limitação maior em relação ao BIM), mas não a usamos porque não fomos capazes até hoje de vencer definitivamente a barreira cultural da estrutura mental adjacente à engenharia sequencial. A simultaneidade da engenharia existe no discurso e em poucas manifestações práticas. A maior parte do mercado ainda estrutura o pensamento e os processos de trabalho através de métodos ineficazes baseados no isolamento. Embora a realidade esteja à nossa frente, a clareza da sua complexidade ainda não é compreensível a todos. Mas o sucesso em BIM depende disso.

Certamente não queremos ter com o BIM o mesmo baixo rendimento que tivemos com o CAD.

Erramos com o CAD, mas errar é humano… Já, permanecer no erro é uma decisão individual.

rene_ruggeri

Sobre o Colunista: Renê Guimarães Ruggeri. Formado em Engenharia Civil, MBA em Gestão de Projetos, Especialista em Gestão de Empresas, 20 anos como Coordenador de Projetos AEC, autor dos livros “Redescobrindo o Processo do Projeto” (2015) e “Gerenciamento de Projetos no Terceiro Setor” (2011), Eng. Máster Coordenador de Projetos na Vale S/A (2011-2015), Professor da Academia Militar de MG no CFOBM (2003-2010), Diretor de Projetos da FEOP(2006-2008), participação em mais de 100 Projetos AEC de variados portes e tipologias (1995-2015), Instrutor, palestrante e escritor nas áreas de Engenharia de Projetos e Gestão de Projetos. Atualmente é Sócio-Proprietário da Renê Ruggeri Engenharia e Consultoria e atua com Gestão de Empreendimentos com foco em Gestão de Engenharia.

Email de contato: rgruggeri@gmail.com – Site: www.reneruggeri.com

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