Publicado em 11/09/2013
Há alguns anos, fui prestar consultoria para uma empresa de engenharia e, à porta da sala de reunião, havia um pequeno mostruário com algumas peças de um passado não tão distante. Sob compassos, réguas, lapiseiras, gabaritos, canetas nanquim e outro utensílios, jaziam, em papel manteiga, uma desbotada planta baixa e um diagrama de atividades finamente desenhados.
Não é difícil encontrar em nosso meio profissionais que lembram, mas com não tanta saudade, deste tempo. Levavam-se dias para “desenhar” um cronograma para finalmente fixa-lo na parede da sala de reunião e, conforme o andamento do projeto, ia sendo “rabiscado” para representar os avanços e algum replanejamento que fosse necessário.
Alterar o cronograma chegava a ser “impensável”. Ter novamente todo o trabalho para desenhar o cronograma levaria a mesma quantidade de dias que foram necessários para sua confecção original, visto que nada poderia ser reaproveitado.
Com o surgimento dos computadores pessoais, começaram a ser criadas ferramentas para auxiliar nos trabalhos repetitivos normalmente executados manualmente. Entre estas ferramentas, surgiram as ferramentas para gerenciamento de projetos. A primeira ferramenta foi lançada em 1980 por Micro Planning Service no Reino Unido para o computador Apple II. Com a popularização dos computadores pessoais, vários outros sistemas computadorizados para auxílio na “arte” do gerenciamento de projetos foram desenvolvidos, tais como TimeLine, CA Superproject, Primavera, MS Project e outros (Weaver, 2006).
“Desenhar” o cronograma e o diagrama de atividades deixou de ser uma tarefa manual e passou a ser realizado com o auxílio de computadores e sua fantástica interface gráfica. Entretanto, um hábito não foi perdido, ao menos não no primeiro momento: Depois de várias horas de trabalho nas ferramentas, o cronograma era impresso (normalmente em várias folhas que eram cortadas e coladas para mostrar o cronograma inteiro) e fixado na mesma sala de reunião, onde ia sendo “rabiscado” para representar os avanços e algum replanejamento que fosse necessário.
Alterar o cronograma já não levaria mais tanto tempo, pois todo o trabalho de confecção poderia ser reaproveitado (se o arquivo não fosse perdido). Assim, de tempos em tempos, o cronograma da sala de reunião ia sendo substituído por outro pronto para ser rabiscado.
Apesar da facilidade atingida com o surgimento das ferramentas automatizadas, o hábito de fixar o cronograma na sala de reunião não foi o único a ser mantido. Como havia uma limitação física (pé direito da sala de reunião), o número de atividades no cronograma também era reduzido.
Ainda hoje escuto de vários engenheiros, que já eram engenheiros experientes na época do papel-manteiga, que um cronograma com mais de 2.000 atividades fica impossível de acompanhar, que é impossível planejar com tanto detalhe, que quem dita o ritmo da obra é o campo e não o planejamento, que o planejamento nunca vai contemplar as oportunidades de “ataque” que aparecem no campo, e outras tantas “verdades” sobre o planejamento dos projetos.
Entretanto todos “esquecem” que o planejamento é muito mais que o cronograma. O cronograma é um dos inúmeros produtos do planejamento. Outro produto que podemos destacar é a programação semanal das frentes de trabalho. Este produto detalha todas as atividades que estão programadas para serem realizadas na semana e em algumas semanas subsequentes. Então podemos dizer com certeza que o planejamento do projeto detalha todas as atividades que serão realizadas durante sua execução e que, em muitos casos, são muito mais que o “limite” de 2000 linhas.
Então porque não retratar todas as atividades no cronograma?!
Em 2011 o CIOB (The Chartered Institute of Builduing) publicou o livro “Guia para Boas Práticas no Gerenciamento de Tempo em Projetos Complexos” (Guide to Good Practice in the Management of Time in Complex Projects) baseado em pesquisas iniciadas em 2008 sobre a utilização de técnicas de gerenciamento de tempo na execução de projetos.
Uma das conclusões das pesquisas realizadas foi que, para projetos complexos, sem uma metodologia cientifica para o gerenciamento do tempo, estes teriam grande chance de sofrerem atrasos substanciais (CIOB, 2011). Incrivelmente, a comparação feita pelos pesquisadores é que a gestão do tempo na indústria da construção estaria no mesmo nível no qual estava a gestão de custo no início do século XX, ou seja, uma defasagem de 100 anos.
Acredito que nos últimos anos tenha havido significativo avançado no gerenciamento do tempo, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que definitivamente abandonemos o antigo modelo de “papel de parede” e tenhamos o planejamento no lugar de destaque que merece estar.
Referências:
CIOB, 2011. Guide to Good Practice in the Management of Time in Complex Projects. West Sussex: Wiley & Sons Ltd.
Weaver, P., 2006. A Brief History of Scheduling. [Online]
Available at: http://www.mosaicprojects.com.au/Resources_Papers_042.html [Acesso em 13 08 2013].
Sobre o Colunista:
Paulo Roberto Cid Loureiro, PMP, Prince2 Practitioner, com mais de 15 anos de experiência em gerenciamento, é engenheiro eletricista formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pós-graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e cursando o Mestrado em Gerenciamento de Projetos com ênfase em Óleo & Gás na Universidade de Liverpool. É instrutor em Gerenciamento de Projetos e Oracle Primavera e colunista do PMKB. Hoje atua como consultor de planejamento para a Petrobras.
E-mail de contato: paulo.cid@qetcprojetos.com
Se você tem comentários, sugestões ou alguma dúvida que gostaria de esclarecer, aproveite o espaço a seguir.
Sabrine,
Obrigado pela leitura.
O livro do CIOB é muito bom e deveria ser leitura obrigatória, mas acho que infelizmente ainda não há a versão em português.
Atenciosamente,
Paulo Cid
Paulo,
gostei muito do artigo. Sabe se existe versão em português do livro do CIOB?
Obrigada!
Obrigado André! Espero poder despertar os planejadores para melhorarmos no planejamento do tempo! Estou a disposição para ajudar!
Obrigado Zoppa! É muito gratificante poder colaborar!
Bom artigo! Parabéns! Vou buscar as referências para aprofundar ainda mais o assunto.
Infelizmente o que o autor colocou é a mais pura verdade… Nosso planejamento de tempo ainda é muito precário na maioria dos projetos.
Paulo,
Excelente artigo que nos provoca a uma reflexão sobre o que fazemos no planejamento de nossos projetos. Costumo dizer que planejar não é desenhar um cronograma, mas sim criar um modelo para a execução do seu projeto.
Abraços e benvindo ao PMKB!