Publicado em 18/05/2016
Vocês se lembram do bordão “eu não ia falar, mas agora vou falar”? Pois é, eu não gosto de comentar notícias, mas esta é muito didática e não posso perder a oportunidade. Não quero fazer crítica positiva ou negativa, apenas exemplificar vários aspectos do sucesso em projetos. Vamos lá…
Li certa vez uma notícia no site do MinC, extraída da Folha on line em 08/02/2011, sobre os problemas no projeto de expansão de bibliotecas municipais. Seguem alguns trechos:
“A falta de adesão dos municípios frustrou a meta do governo Lula (2003-2010) de garantir pelo menos uma biblioteca pública para cada cidade brasileira até o final do seu mandato.”… “Embora o governo federal tenha comprado kits com livros e estantes, e distribuído para centenas de prefeituras pelo país, muitas não inauguraram sua biblioteca” … “Segundo ele, muitas prefeituras inauguram a biblioteca, mas não comunicam ao ministério.” … “O Ministério da Cultura considera como implantada a biblioteca que chegou às mãos da prefeitura local”. …” “Seis meses de funcionamento de um prédio com infraestrutura, iluminação e funcionário já daria para comprar esse kit. O caro é a manutenção”, diz.“
Agora vamos por partes…
Primeiro devemos pensar o que seria o sucesso desse projeto. A resposta óbvia é: atingir os seus objetivos! Então devemos analisar qual seria o objetivo desse projeto e ele parece claro: fazer com que os livros cheguem ao cidadão! Mas muitos não chegaram pelo jeito. O sucesso em um projeto não é simplesmente cumprir o cronograma ou a planilha de custos. Isso seria o sucesso na gestão do projeto, mas o projeto para ser bem-sucedido, além disso, precisa atingir seus objetivos. E mais ainda, é preciso que estes objetivos gerem impacto positivo no negócio da organização (qual é o negócio do MinC?). Cumprir o escopo, cronograma e orçamento não significa atingir objetivos (o objetivo de um projeto é resolver um problema, suprir uma necessidade, etc.). O exemplo demonstra boa dose de insucesso com clareza.
Mas a notícia diz também que muitas prefeituras inauguraram as bibliotecas, mas não comunicaram ao MinC. Temos então um problema sério de comunicação. Dados fundamentais para a avaliação do projeto não foram coletados. Se era obrigação da prefeitura e esta não cumpriu tivemos um problema sério de gestão das partes interessadas. Não podemos esquecer que o gerente desse projeto era o MinC e gerir as partes interessadas (stakeholders) é responsabilidade intransferível.
A biblioteca ter chegado à prefeitura não é um parâmetro razoável para medir o sucesso do projeto. Esse parâmetro não garante que “os livros chegaram ao cidadão”, como deveria ser o objetivo. Aqui podemos dizer que o objetivo foi mal definido, ou o parâmetro de medição do objetivo foi mal definido, ou o escopo do projeto foi insuficiente.
A declaração de um representante das prefeituras de que o custo da aquisição é irrisório frente ao custo da manutenção demonstra um problema mais sério ainda: o diagnóstico da situação foi falho. Talvez porque não tenha sido um diagnóstico participativo. Se as prefeituras são partes interessadas imediatas e se essa manutenção era de sua responsabilidade e necessária à sustentação do projeto, elas deveriam ter participado da concepção ou pelo menos do diagnóstico.
Eu não contei as possibilidades de erro no planejamento do projeto, quem quiser que o faça. Conhecedor das boas práticas de gestão de projetos, mesmo sem contar os erros, eu já lamento muito e me entristeço com insucessos por falhas tão primárias.
Peço atenção para o fato de que não estou falando de má vontade, má intenção, etc. Acredito sinceramente que o projeto foi bem-intencionado, mas o processo de planejamento e gestão sem dúvida foi falho, infelizmente. Agora é torcer para que os livros não apodreçam em caixas de papelão.
Deveríamos desejar sorte para o que vem à frente aprendendo com o passado (prática, aliás, prevista como procedimento fundamental nas boas práticas de GP, aprender com o passado sistematicamente). O abacaxi agora é de outro como diz a mesma notícia do MinC: “O problema atinge a principal meta do novo presidente da Biblioteca Nacional, …, que pretende ampliar o acesso aos livros no país. “O governo federal não tem como chegar em cada cidade. Pretendemos mobilizar personalidades e escritores locais para apadrinhar as bibliotecas”, afirma.”
Mas sinceramente eu não desejo sorte, porque o problema não foi de azar. Eu desejo conhecimento em GP, método, técnicas e ferramentas apropriadas ao planejamento e monitoramento dos projetos e, sobretudo, responsabilidade com o uso dos já escassos recursos disponibilizados à nossa cultura!
Sobre o Colunista: Renê Guimarães Ruggeri. Formado em Engenharia Civil, MBA em Gestão de Projetos, Especialista em Gestão de Empresas, 20 anos como Coordenador de Projetos AEC, autor dos livros “Redescobrindo o Processo do Projeto” (2015) e “Gerenciamento de Projetos no Terceiro Setor” (2011), Eng. Máster Coordenador de Projetos na Vale S/A (2011-2015), Professor da Academia Militar de MG no CFOBM (2003-2010), Diretor de Projetos da FEOP(2006-2008), participação em mais de 100 Projetos AEC de variados portes e tipologias (1995-2015), Instrutor, palestrante e escritor nas áreas de Engenharia de Projetos e Gestão de Projetos. Atualmente é Sócio-Proprietário da Renê Ruggeri Engenharia e Consultoria e atua com Gestão de Empreendimentos com foco em Gestão de Engenharia.
Email de contato: rgruggeri@gmail.com – Site: www.reneruggeri.com
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