Publicado em 17/08/2017
Informatizar a organização, para “ter informação na ponta dos dedos”, é como realizar o sonho de ver o mundo do topo do Everest: visão ampla, abrangente, sistêmica, e com domínio dos detalhes.
Mas, assim como não se resolve, numa 6ª feira à tarde, que “já que não tenho nada pra fazer no fim de semana, vou escalar o Everest”, para implantar sistemas informatizados robustos e sofisticados, como os ERP – Enterprise Resource Planning, considerados como a base necessária para a o desenvolvimento da “inteligência dos negócios”, é preciso preparar-se. E muito bem. Para as duas empreitadas, planejamento minucioso é tudo (e mais um pouco).
Não são poucos os casos de insucesso e de decepção com a implantação de sistemas em geral e do ERP, em particular. Aqui vão algumas das muitas e duras lições aprendidas, durante o período em que fui Diretor de Tecnologia do Grupo Pitágoras/Kroton, não sobre como escalar o Everest, mas de como implantar sistemas (diversos) com sucesso. O ERP é o exemplo que escolhi. Para os experientes, estas reflexões soarão, talvez, como obviedades (podem até parar por aqui), mas o objetivo é que evitem muito prejuízo e dores de cabeça para outros não tão familiarizados.
Este texto foi a base para uma palestra que ministrei inúmeras vezes, em 23 dos 26 estados do país, e que até hoje se mostra útil, seja como parte do kick off seja em momentos de “crise” na implantação de sistemas.
ERP: o que é e por que sua empresa precisa dele
“Em Deus, nós acreditamos. Todos os outros que tragam os dados.” (Deming)
Ter “informação na ponta dos dedos” não é um exotismo, mas uma necessidade básica, nos tão competitivos tempos atuais. Bill Gates, em seu livro “A empresa na velocidade do pensamento”, mostra com clareza a possibilidade (e as vantagens) de a empresa estruturar um “sistema nervoso digital”, capaz de “informar ao cérebro”, no mesmo instante em que acontecem, os eventos que poderão representar riscos ou oportunidades para a organização.
O ERP – Enterprise Resource Planning – ou “Sistema de Gestão Integrado”, ou ainda “Sistema de Gestão Empresarial”, como é mais conhecido no Brasil, controla a Folha de Pagamento, o Almoxarifado, a Contabilidade, Contas a Pagar, Produção e muitos outros processos empresariais, de maneira integrada. Ou seja, a informação é inserida apenas uma vez no sistema e transita automaticamente por todas as áreas do mesmo, disparando também automaticamente processos correlatos. Mas não é só o que faz: normalmente, é a base sobre a qual se assentam vários outros sistemas, como o CRM, Data Warehouse, Business Intelligence e uma gama enorme de sistemas de atendimento, controle, E-Business e tantos outros que vão alavancar a produtividade e competitividade da empresa. Mesmo em tempos de Big Data e Computação Cognitiva, continua a ser uma necessidade, para empresas de qualquer porte.
Um roteiro passo a passo para escolha e implantação de um ERP
” Lembrai-vos de que as grandes proezas da história foram conquistas do que parecia impossível.” (Charles Chaplin)
PASSO 1: Conhece-te a ti mesmo
Antes de partir para a escolha e implementação de um ERP, faça, com a equipe, um trabalho de levantamento, crítica e descrição formal de todos os procedimentos, regras e processos de trabalho existentes e que serão informatizados (para não correr o risco de automatizar o que está errado, gerando prejuízos… mais rapidamente). Uniformize procedimentos e regras de negócio e padronize os processos.
Conheça também o nível de expectativa da alta administração e dos usuários com relação ao projeto que têm pela frente. É comum que se pense que um sistema é uma ferramenta mágica para solução fácil de todos os problemas, sem esforço. Nada mais irreal: “o paraíso não existe”. Coloque as expectativas na dimensão real: é desejável, é bom, é útil, mas requer muitos pré-requisitos para que dê o retorno desejado. Assim como escalar o Everest.
PASSO 2: Defina objetivos e escopo e desenhe o “sistema de informação” da empresa (assim como deve definir detalhadamente sua rota e metas intermediárias para atingir o cume da montanha mais alta do planeta)
“Aquele que deseja construir torres altas dever permanecer longo tempo nos fundamentos.” – Anton Bruckner (1824-1896)
Definir claramente o escopo (módulos a serem implantados, processos a serem automatizados, etc) evita muitos desencontros entre fornecedor, cliente e usuários. O que queremos e o que podemos esperar obter? Cabe à alta administração e às chefias também informar à área técnica, com antecedência, que indicadores de desempenho desejarão controlar e em que formato: Planilha? Gráfico? Relatório? “Reloginho?”
Cabe à área técnica disponibilizar a informação da maneira mais fácil e intuitiva possível para o usuário, trabalhando para que ele possa ser cada vez mais autônomo ( o alpinista sabe o quanto informação rápida e de boa qualidade é vital em sua empreitada).
PASSO 3: Escolha um ERP compatível com suas necessidades e realidade e produzido por empresa confiável
“O que se promete e não se cumpre é recebido como afronta pelo superior, como injustiça pelo igual e como tirania pelo inferior; sendo assim, é importante e prudente que a língua não se aventure a oferecer o que não se sabe se poderá cumprir.” (Diogo de Saavedra)
Só depois de conhecer e arrumar previamente a casa e saber claramente de que tipo de informação e controles se irá necessitar, é que é hora de pensar na escolha do ERP.
Sistemas podem ser desenvolvidos “em casa” ou serem adquiridos de empresas especializadas, pequenas ou grandes. Para cada uma destas escolhas, há pontos a favor e contra, que não cabe aqui discutir.
Se você se decidir por adotar um “sistema de mercado” (tenho razões para considerar esta a decisão mais adequada), faça um levantamento e triagem de várias alternativas (incluindo a robustez e credibilidade dos fornecedores), com a ajuda de especialistas (recomendável) e selecione as três melhores. Submeta as três escolhidas, separadamente, a análise de seus USUÁRIOS-CHAVES. Ninguém melhor do que quem vai usar para dizer o que atende e o que não atende; (é muito importante também que o usuário se sinta o “dono” do sistema e não que o mesmo é algo que lhe foi imposto)
PASSO 4: Faça uma implantação profissional
Implantar um sistema não é instalar um sistema. O processo leva sempre a uma enorme mudança organizacional. Processos de negócio são alterados, pessoas são deslocadas (ou até mesmo demitidas), formas de trabalhar mudam inteiramente. Diante de toda proposta de mudança, as pessoas costumam, normalmente, percorrer o “Caminho de SARA”: primeiro, Shock (choque), depois Angry (raiva), em seguida Reaction (reação, resistência) até, finalmente, a Acceptance (aceitação).
É preciso que a coordenação do projeto de implantação atue, em cada uma das etapas deste “caminho”, para diminuir o “choque” (muita informação preliminar), permitir que a “raiva” se manifeste e, assim, se possa trabalhá-la; trabalhar as “resistências” explícitas e não explícitas (as mais difíceis) e acelerar o processo de “aceitação”, reconhecendo publicamente aqueles que estão avançando e apoiando fortemente os que demonstram dificuldades.
O custo do projeto não é só a aquisição do sistema. Reserve um valor significativo do orçamento do projeto para o processo de implantação, com um número suficiente de horas, e também para a montagem da infra-estrutura (equipamentos, links de comunicação, etc).
O Consultor deve conhecer bem não só o sistema, mas também o negócio da empresa cliente. As metas de prazo e de custo devem ser perseguidas obsessivamente (um grande percentual de projetos de implantação falha em algum – ou ambos – desses aspectos).
Oriente a equipe para não fazer solicitação de customizações/ajustes durante implantação (sob pena de nunca acabar a implantação e de “deformar” o sistema). Afinal, para chegar ao topo do Everest (e voltar vivo), não é prudente “fazer do seu jeito”, mas seguir as boas práticas já consolidadas pela experiência).
PASSO 5: Antecipe-se e enfrente com naturalidade, inteligência e firmeza as dificuldades que certamente aparecerão
“As facilidades iludem e enfraquecem, as dificuldades ensinam e fortalecem”(Santo Inácio de Loyola)
Dificuldades (muitas) são esperáveis num processo de implantação de sistemas. Algumas têm origem nas questões tecnológicas (talvez 20%) – integração com outros sistemas, funcionalidades insuficientes, bugs (todos têm) – , mas a grande maioria tem a ver com o fator humano: qualificação tecnológica precária dos usuários – capacite; resistência à mudança de processos -apresente bons motivos; “saudades” do sistema antigo – com paciência, relembre suas limitações e ressalte as vantagens do novo; insegurança e medo de demissão – apoie e informe, com honestidade.
Para diminuir as dificuldades naturais num processo de implantação, consiga um “padrinho” (sponsor) forte e comprometido, da alta administração. Obtenha também o COMPROMETIMENTO dos usuários. Identifique e oficialize um “usuário master”, um profissional entusiasmado com o projeto e que seja referência para os demais. Tenha atenção permanente ao “clima” e dê suporte imediato às dificuldades. Procure perceber e trabalhar rapidamente as resistências, as inseguranças e fragilidades, dando apoio efetivo a quem necessite, ou seja, cuidando bem das pessoas. Dê informação contínua sobre o status do projeto e substitua a relação cliente-fornecedor por parceiro-parceiro.
Em síntese, a grande lição aprendida:por que implantar um ERP é como fazer uma expedição de escalada do Everest?
Não importa se você vai escalar o Everest, desenvolver um projeto qualquer em sua empresa ou, mais especificamente, implantar um ERP. Em qualquer caso, será preciso: preparação e planejamento; suporte especializado e profissional (você encararia o Everest sem um guia ou com um bem baratinho?); equipamento adequado (basta uma corda mais fina que o necessário para te derrubar – ou uma conexão ruim); preparo técnico (e físico); espírito de equipe; espírito de aventura e fair play (shit happens) ; liderança efetiva e 2 P: Paciência e Persistência. É difícil, pode acreditar, mas não impossível.
Todos nos deparamos com montanhas que parecem intransponíveis …com um planejamento minucioso, muita força de vontade, iniciativa e criatividade, todas as barreiras podem ser rompidas.
(WALDEMAR NICLEVICZ, primeiro brasileiro a escalar o Everest)
Sucesso na sua “escalada”!
Sobre o Colunista:
Prof. Lúcio de Andrade Fonseca, Consultor Empresarial e Educacional e palestrante reconhecido no Brasil e no exterior. Foi Executivo Educacional do Grupo Kroton, por longos anos, exercendo as funções de Diretor de Unidades Escolares, no Brasil e no Iraque, e de CIO (Diretor de Tecnologia). É Consultor de Gestão Estratégica de entidades públicas, privadas e do terceiro setor, no Brasil e em Angola. Exerce também a função de Vice-Presidente de Assuntos Educacionais da SUCESU-MG. Através da empresa FF Digital Tecnologia, Treinamento e Desenvolvimento, da qual é fundador e Diretor Executivo, coordena programas de capacitação para executivos, que têm participação expressiva de gestores de empresas de mineração de Angola. E-mail de contato: lucio@luciofonseca.com.br – site: http://ffdigital.com.br
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