Publicado em 28/12/2013
Por Thais Aline Cerioni
A cada dia, empresas apóiam-se menos em suas áreas de pesquisa e desenvolvimento – e mais em clientes e funcionários – para buscar inovação
Já dizia o velho ditado: duas cabeças pensam melhor que uma só. Eleve essas “duas cabeças” à infinita potência proporcionada pela internet e terá uma idéia de quantas idéias podem ser geradas quando milhares de pessoas debatem sobre determinado assunto. É esse constante brainstorm que as empresas estão procurando ao permitirem que funcionários, parceiros, clientes e todos os demais stakeholders exponham suas idéias, críticas e sugestões sobre seus produtos e serviços.
Nesta nova era da economia, o processo de inovação depende muito mais da interação das empresas com o mundo do que dos cientistas com elevadas graduações acadêmicas, trancafiados em seus laboratórios por anos até encontrar o produto, serviço ou processo ideal. O mercado já não tem tempo para esperar a perfeição cientifica. E os consumidores já não aceitam a impossibilidade de interferir naquilo que estão adquirindo.
Prova desta mudança de paradigma que estamos vivendo são os resultados de uma pesquisa realizada recentemente pela IBM com CEOs de grandes empresas de todo o mundo. Perguntados sobre as principais fontes de inovação em suas companhias, os executivos posicionaram os laboratórios internos de P&D em oitavo lugar, muito atrás de funcionários, parceiros de negócios e consumidores. No entanto, apenas cerca de metade dos entrevistados acreditam que possuem políticas e ferramentas que estimulem a colaboração além de níveis moderados. O mesmo estudo apontou que, para 80% dos CEOs entrevistados, a integração de dados, pessoas e organismos internos e externos é crítica para a inovação – mas menos da metade vê, em suas companhias, integração tecnológica adequada para suportar a inovação.
O cenário cria uma grande oportunidade para que os CIOs mostrem o potencial da tecnologia da informação como habilitadora da colaboração. Mas o desafio para o líder de TI vai além de simplesmente escolher e implementar as ferramentas mais adequadas para a troca de informações. Neste momento, o executivo tem a chance de combinar suas habilidades em relação a processos, seus conhecimentos sobre tecnologia e a experiência adquirida a respeito dos negócios da empresa para, quem sabe, ganhar um papel relevante no processo de inovação corporativa.
A questão é que, atualmente, não é tão simples fechar a equação entre profissionais de TI dispostos e preparados para assumir este papel e, mais importante, empresas maduras o suficiente para tanto. “Hoje, o COO e o diretor de P&D têm uma idéia, procuram o CEO para convencê-lo e, depois de vendido o plano, os três desenham a nova estratégia de inovação. Apenas quando terminam é que procuram o CIO para saber como a tecnologia irá suportar suas idéias”, avalia Jeff DeGraff, professor de gestão na Ross School of Business, da Universidade do Michigan.
Somada a esta postura dos pares, o próprio CIO tem, muitas vezes, um pensamento muito mais orientado à eficiência operacional, aumento de produtividade e redução de custos do que focado na inovação. “A inovação normalmente se expressa na parte de ‘receitas’ dos relatórios financeiros. E os CIOs têm, historicamente, foco nos custos”, avalia Robert Austin, professor de administração da Harvard Business School, que completa: “Isto tem de mudar.”
Na liderança ou não do processo de inovação colaborativa, o líder de TI tem papel fundamental ao trabalhar lado a lado com os executivos das áreas usuárias, encontrando tecnologias que tornem possível a interação entre a companhia e todos os elementos com os quais ela se relaciona. Os CEOs já perceberam a importância de ouvir o que clientes, parceiros, fornecedores e funcionários têm a dizer – mas o processo só torna-se viável com ferramentas que suportem a interação e a gestão de todo o conteúdo produzido.
Quem já tentou
Com uma estrutura totalmente descentralizada, o chamado “sistema Coca-cola” – formado pela sede e pelos quatro escritórios regionais da Coca-cola Company e por 17 fabricantes, responsáveis pela produção, engarrafamento e distribuição das bebidas – encontrou nas ferramentas de colaboração a solução para uma série de dificuldades.
Há cerca de três anos, o departamento de TI da Coca-cola Company propôs a criação de um portal único para que todas as áreas de negócios pudessem trocar informações on-line. “O projeto não deu certo como um todo, mas foi assim que teve início o desenvolvimento para a área industrial [técnica e logística], que foi a que demonstrou mais necessidade de uma ferramenta colaborativa”, relembra Jorge Osman, gerente de sistemas de informação da companhia. “Hoje, é uma ferramenta que suporta muito o processo de inovação.”
O ambiente virtual – com cerca de 600 usuários das áreas de produção industrial, embalagens, meio ambiente, qualidade, segurança patrimonial, logística e distribuição – é utilizado, por exemplo, para compartilhamento de informações, opiniões e idéias sempre que a empresa pretende lançar um novo produto ou uma nova embalagem. Outros exemplos de vantagens trazidas pelo portal são o ganho de tempo na disseminação e homogeneização das informações a serem divulgadas aos clientes e a criação de benchmarks entre os engarrafadores. “Ajuda também a própria integração interna na área técnica e logística. Como existe uma fonte de dados única, aumentou o conhecimento sobre as outras funções, dentro do departamento”, completa Ricardo Reis, gerente CIF (common inovation framework) da área técnica e logística.
Pensado pela TI e colocado em prática graças ao patrocínio do vice-presidente da área técnica e logística, o projeto do portal não dependeu de um estudo de ROI para ser realizado. De acordo com Osman, a expectativa era de alcançar benefícios intangíveis: “ter uma maneira mais rápida de divulgar melhores práticas, acabar com a duplicação de trabalhos, agilizar a comunicação, aumentar a colaboração, aproximar a Coca-cola dos fabricantes e aproximá-los entre si.”
O sucesso do portal técnico e logístico inspirou a empresa para continuar investindo em ferramentas do tipo. Lançada a cerca de seis meses, a nova intranet – planejada em conjunto pelas áreas de comunicação e de TI – foi criada com o objetivo de fazer os funcionários participem mais e se sintam engajados. “Interação é o coração do projeto. Queremos que as pessoas se falem, troquem informações, se conheçam”, afirma Raquel Cunha, gerente de marketing corporativo da Coca-cola e líder do projeto na área de negócio. A importância da interação fica clara quando a gerente explica a escolha do parceiro, a agência Tecnopop, para o desenvolvimento conceitual da ferramenta. “Eles nunca tinham feito uma intranet, mas tinham experiência com sites interativos muito interessantes.”
Inspirada no Orkut, a rede permite ao funcionário criar seu perfil, publicar fotos, escrever blogs e compartilhar informações sobre seus projetos e sua atuação na empresa, além de concentrar as notícias corporativas, todas passíveis de serem comentadas. Por meio de enquetes recentemente lançadas, a intranet deverá ser, também, um meio para que funcionários participem do processo de lançamento de produtos. “Após o desenvolvimento de um produto novo, o público interno pode ver, provar e opinar, antes que a fórmula seja escolhida. As enquetes irão contribuir muito nesse processo”, prevê Raquel.
Já para vencer o desafio de influenciar as empresas independentes de modo a criar uma unidade “Coca-cola Brasil”, a empresa criou uma extranet exclusiva para a área de comunicação e marketing. “Temos de estar sempre perto das áreas de comunicação dos nossos fabricantes para que todos falem a mesma língua”, afirma Raquel, explicando que o ambiente tem “a mesma cara” da intranet, mas permite a troca de informações sobre campanhas. “Se o fabricante de Manaus está fazendo uma campanha, e o de Porto Alegre acha interessante, ele pode aproveitar”, exemplifica.
A colaboração interna e externa faz parte da estratégia mundial da Roche. “Hoje, o usuário final tem mais poder, o controle está passando para mais mãos e o usuário está passando a buscar a informação que quer”, avalia Giovanni Genovese, CIO da companhia. Em sua opinião, as tecnologias colaborativas já estão maduras e o que faz a diferença para os resultados positivos é a estratégia e a forma de implementação.
Usando ferramentas baseadas em web, a empresa promove a interação entre funcionários, local e globalmente, assim como abre um canal de comunicação com a comunidade da área de saúde. “Precisamos diminuir distâncias. Essa troca de informações [entre funcionários] é muito importante para o desenvolvimento de produtos”, explica o CIO. Para a comunicação com pacientes, médicos e outras empresas do setor, a Roche aposta em um portal Web, integrado a um banco de dados de conhecimento e aos demais canais de atendimento. “A web não pode ser um canal separado, tem de estar integrada à estratégia da companhia”, ensina, e complementa. “O papel do CIO é entender muito bem a estratégia de negócios e, conhecendo a tecnologia, saber como atender às necessidades.”
André Navarrete, diretor de tecnologia da informação do Grupo Nordeste (empresa de sergurança privada com 23 mil funcionários e faturamento de 600 milhões de reais em 2006), acredita que estamos passando por um momento em que as forças externas são preponderantes em relação às internas nas corporações, e que, por isto, as empresas não podem continuar voltadas para dentro. “Assim, faz-se necessário avaliar e fortalecer a estrutura atual, identificando novas formas de interagir com stakeholders e com o objetivo de estar preparado para atender a novas necessidades de forma rápida e segura”, pontua o executivo.
Segundo ele, o portal (para interação com os clientes) e a intranet são pilares da gestão da inovação. “Devido ao tipo de mercado em que atuamos, precisamos estar sempre atentos às novas tecnologias e ter velocidade no planejamento e atuação da área de pesquisa e desenvolvimento”, diz Navarrete, lembrando que inovação pode ser traduzido de três formas: agregar novas características gerando novas demandas, aumentar o ciclo de vida de um produto ou serviço e permitir melhor produtividade na cadeia
Como exemplo de resultado bem-sucedido na interação em busca de inovação, o diretor conta que, por meio da intranet, chegou à área de TI a sugestão de utilizar voz sobre IP, projeto que no primeiro ano de operação resultou em uma economia de dois milhões de reais.
O que ainda há para explorar
Se hoje ainda está restrita a uma pequena parte das empresas brasileiras, a estratégia para inovação colaborativa é uma tendência incontestável que deverá, de alguma forma, impactar todas as empresas ao longo dos próximos anos. “Assim como os consumidores estão unindo-se e comunicando-se, os funcionários estão conversando e trabalhando juntos para tomar decisões em grupo. Isto promove inovação graças à diversidade de pessoas e opiniões envolvidas”, destacou Don Peppers, especialista na relação entre empresas e clientes, em entrevista exclusiva a CIO em meados de 2007. A tendência, segundo ele, deve-se, principalmente, à chegada de uma nova geração à idade adulta, tornando-os profissionais e consumidores.
Enquanto essa nova geração não chega, cabe ao pessoal de tecnologia possibilitar e fomentar a colaboração corporativa. “[A colaboração] é algo que ainda está muito embrionário nas empresas, não por questões técnicas, mas pela maneira de abordar essa tecnologia”, avalia Ítalo Flammia, CIO da Natura. “É uma questão de cultura que a gente tem de criar.”
Apesar de entusiasta da possibilidade de uso das ferramentas colaborativas no ambiente corporativo, Flammia prevê que a tendência torne-se realidade em cerca de quatro ou cinco anos, conforme a idéia for amadurecendo e as pessoas aprendam e passem a se permitir usar esse tipo de tecnologia. “É preciso aprender a lidar com elas [as ferramentas de colaboração]. Um portal de wiki, por exemplo, não é uma coisa simples, não é qualquer um que faz”, pondera o executivo.
Com um ecossistema de 700 mil consultoras espalhadas por todo o País, a Natura é, na visão de seu CIO, um ambiente bastante fértil para a utilização desse tipo de ferramenta. “Softwares sociais têm tudo a ver com o estilo da Natura e a forma de fazer negócio”, diz Flammia ao revelar que já tem um projeto em andamento, sobre o qual prefere não revelar detalhes. “Temos um projeto concebido para experimentação, que vai crescer conforme a necessidade aumentar”, resume.
Desafios
Paralelamente à necessidade de prover tecnologias que permitam o compartilhamento de informações e a colaboração entre os envolvidos nos processos corporativos, o CIO deve preocupar-se em preparar seus sistemas para uma tarefa ainda mais árdua – e também decisiva para o sucesso de projetos desse tipo: a gestão do conhecimento. “O nível de complexidade está aumentando imensamente porque, agora, você tem de reunir todas essas idéias diferentes que foram coletadas e compartilhá-las com todos”, alerta Robert Cooper, professor de marketing da DeGroote School of Business, da Universidade McMaster. DeGraff, da Universidade de Michigan, concorda e ressalta que, se não for bem-gerenciado, o alto volume de novas idéias pode levar o processo de P&D ao colapso. “Companhias podem facilmente ser paralisadas por toda essa criatividade”, afirma.
A situação pode não ser tão catastrófica, mas é certo que sem uma gestão apropriada do conhecimento gerado pela colaboração, os resultados práticos tendem a ser nulos. Por isso, corporações que planejam caminhar para o mundo colaborativo devem, também, preparar o back office para a novidade. Da mesma forma, é necessário que haja uma equipe de profissionais que, com auxílio de ferramentas analíticas, fique dedicados ao entendimento das necessidades das comunidades envolvidas. “Ter muita informação e não saber o que fazer com ela é um tiro n’água”, diz Flammia.
O CIO da Natura não prevê problemas com a gestão do conhecimento, mas acredita na possibilidade de uma mudança na organização corporativa. “Hoje, já temos gerentes de processos especialistas em marketing e em logística, por exemplo, e eles têm perfis completamente diferentes”, explica. “No futuro, acredito que um olhar mais subjetivo será mais valorizado, pois passaremos a ver valor em outras coisas”, antecipa. Flammia acredita que essa mudança de postura não será difícil para a Natura. E a sua empresa, já está preparada para a era da colaboração?
Sobre a Autora: Thais Aline Cerioni – http://cio.uol.com.br/gestao/2008/02/20/por-uma-boa-ideia/ – CIO – 20/02/2008
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