Publicado em 05/10/2015
Quem tem filho pequeno, ou simplesmente gosta de um bom filme de animação, certamente já se divertiu mais de uma vez com Procurando Nemo e sua jornada do peixe-palhaço Marlin que, com ajuda da desmemoriada Dory, parte oceano afora em busca de seu filho que foi capturado por mergulhadores. Entretenimento à parte, um profissional de gestão de projetos deveria se desprender um pouco da trama principal para refletir sobre um grupo de personagens secundários.
O Cartaz do Filme
Em um aquário marinho de um consultório odontológico localizado perto de um porto marítimo de Sydney, Austrália, encontram-se alguns peixes e uma estrela-do-mar. Eles têm um objetivo: a liberdade. E o líder do grupo, Gill, tem um plano para isso: instruir um peixe pequeno para nadar, com uma pedra, por um tubo estreito que adentra o aquário e que vai até o filtro. Em seguida, travar as engrenagens do filtro com a pedra e voltar. Assim, tudo vai se tornar cada vez mais sujo até que o dentista não terá outra opção: esvaziar e limpar totalmente o aquário. Para tal, terá que tirar os peixes e colocá-los em saquinhos cheios d’água. Então, bastará cada um deles rolar pelo balcão, pela janela, pelo toldo, pelos arbustos, cruzar a rua e chegar ao mar do porto.
Parece um planejamento simples, mas é até um tanto trabalhado. Para um peixe, claro. Há um líder de projeto definido, as partes interessadas foram identificadas, requisitos foram estabelecidos e o ambiente, a cultura e as condições do local de execução são bem conhecidos. A equipe foi determinada e está motivada, as atividades foram listadas, sequenciadas e, mesmo que implicitamente, tiveram seus prazos estimados. Os recursos também foram dimensionados. No decorrer do filme é possível perceber que algumas métricas foram estabelecidas para monitoramento e controle durante a execução e que os riscos (pelo menos alguns) foram mapeados.
Quando finalmente, no epílogo da história, o aquário fica sujo, desencadeando as ações planejadas para o dentista, a execução definitiva acontece: eles rolam pelo balcão, pela janela, pelo toldo, pelos arbustos, cruzam a rua e caem no mar do porto. Tudo conforme planejado. Mas, então, eles se entreolham. Estão boiando no mar, presos dentro de saquinhos plásticos. “E agora???”
Esta piadinha final, que surge como uma surpresa, tem um paralelo muito comum, e nada risível, no mundo real: a execução, na prática, se encerrou e a equipe foi, na sua maioria ou toda, desmobilizada, mas o projeto se nega a encerrar formalmente. E pode não ser devido ao simples esquecimento de um ponto importante do escopo. Por exemplo, o gestor pode se ver diante de detalhes contratuais ambíguos e polêmicos, que passaram despercebidos na fase de contratação, pode se deparar com um cliente que se recusa a aceitar o produto, por falta de critérios de aceitação bem definidos no início do projeto ou por inaplicabilidade após tantas mudanças de escopo, ou pode também estar tentando se desvencilhar de batalhas de pleitos, multas, notificações, relatórios e acertos comerciais.
Trailer do filme
Parece clichê de filme de terror: o herói acha que o antagonista morreu, mas ele volta, de súbito, para um (ou mais) susto(s). Mas, clichês não deveriam surpreender nem assustar ninguém. Na verdade, o gestor tem plenas condições de desarmar as possíveis armadilhas do projeto. Não há por que haver um momento “E agora???”. Ele depende só de si mesmo para conhecer bem seu projeto, para se envolver mais plenamente em todas as etapas e para, por mais experiente que seja, pesquisar, estudar e consultar colegas que passaram por projetos semelhantes. Ele depende só de si mesmo para chegar ao final da empreitada, com o mar de sucesso à sua frente, sem estar dentro de um saquinho plástico com o tempo de oxigênio remanescente se esgotando.
Sobre o Colunista: José Roberto Costa Ferreira, PMP, é Engenheiro Eletrônico e de Telecomunicações pela PUC-MG, pós-graduado em Redes de Telecomunicações pela UFMG e em Gerenciamento de Projetos pelo IETEC. Iniciou sua carreira profissional em 1995 no ramo de eletrônica, informática e telecomunicações e desde 2005 atua em áreas e negócios diversificados com Gestão de Produtos e Gerenciamento de Projetos. Atualmente integra a equipe de Gestão de Projetos da ThyssenKrupp Industrial Solutions, divisão de Tecnologia de Recursos/ Mineração. Nas horas vagas é um aficionado por cinema.
E-mail para contato: zrcosta@hotmail.com – Blog pessoal: http://padecin.blogspot.com.br
Se você tem comentários, sugestões ou alguma dúvida que gostaria de esclarecer, aproveite o espaço a seguir.
Caro José Roberto,
Muito bom o seu texto, nos faz refletir muito sobre o nosso próprio cotidiano.
Constantemente nos encontramos presos em atividades que pensamos não ter solução, mas tudo pode ser alterado através de um ponto de vista diferente, a mudança de escopo as vezes se faz necessária. Conhecer melhor o projeto e conversar com as pessoas envolvidas nele pode trazer outras variáveis e até a uma solução melhor e quem sabe até mais simples. A pressa gerada pela pressão em um projeto, faz com que os riscos que enfrentamos sejam maiores, assim as chances de cair em cenários destacados como o “E agora??” Sejam recorrentes. Então vamos aproveitar mais o tempo, planejando, pesquisando e dividindo. Dessa forma correremos menos riscos e teremos a probabilidade de ter um desfecho mais tranquilo.
Digníssimo José Roberto,
Muito bom o artigo essa correlação com a experiencia em projetos.
Concordo plenamente sobre o momento onde somente o gestor tem condições de desarmar as armadilhas, na vida real o gestor é escolhido por ter grandes habilidades, experiência e saber articular quando é necessário tomar decisões. Assim como acontece no filme grandes dificuldades ou imprevistos sempre acontecem ao longo do projeto ou da execução sejam por motivos técnicos ou pessoais, mas “surpresas” acontecem.
Com certeza, caríssimo Vanderley, a dificuldade de percepção é constante no cenário de projetos. Pode ser pela falta de tempo (tudo é urgente), pela falta de um planejamento amplo (com atenção aos detalhes de encerramento do projeto) ou por falta de consulta a projetos análogos, históricos e opiniões especializadas.
Outro ponto importante: nós, seres humanos (e aparentemente os peixes também, rs), temos a mania de menosprezar as tarefas aparentemente simples e fáceis…
Ilustríssimo Jose Roberto,
seu texto me fez lembrar dos pinguins de Madagascar! Totalmente estrategistas!
Você levantou um assunto que daria uma ótima discussão! 😉
Acredito que o momento “E agora???” pode ser uma consequência do típico desafio para se conceber uma estratégia: A dificuldade de percepção. Muitas das vezes, para não dizer sempre a visualização de riscos é impedida por bloqueios de qualquer natureza. Esse bloqueio de percepção simplesmente obstrui a visualização do novo. Se olha, mas não se enxerga. Pensar o que nunca foi pensado antes, isso seria se desvincular de modelos mentais, muito importantes para o aprendizado, mas que em dado momento tornam-se barreiras mentais para visualização de informações que não se ajustam aos modelos já estabelecidos.
Sabemos que o objetivo desse projeto, a liberdade, é coberta pela vontade imediatista em alcançá-lo. Talvez o senso de urgência, de necessidade se assim posso dizer tornou-se um fator para bloqueio da percepção dos riscos e ameaças. O foco ao risco negativo às vezes é sombreado pelo desejo de se obter êxito.
Ah, imagine se o predador resolve aparecer antes do oxigênio acabar? O desfecho é um só, mas o desespero será dobrado!
Forte abraço!