Publicado em 03/08/2016
Minha atividade me força a manter contato constante com profissionais e empresas de projeto e consultoria em engenharia. Isso me permite observar a forma de trabalhar de cada um em diversos aspectos.
Uma constatação interessante que sempre me chama a atenção é perceber que as empresas (a maioria delas) não possuem consolidada uma metodologia de desenvolvimento de projetos. Percebamos a gravidade disso. Guardadas as proporções, é algo como dizer que uma montadora de veículos não possui sua linha de produção organizada.
Já há algum tempo, fala-se bastante da Engenharia Simultânea como forma de estruturação do processo de desenvolvimento do projeto de modo a atender às demandas e pressões do mercado (ou dos contratantes, para ser mais específico). Entretanto, não é difícil perceber que na prática, os projetos ainda são desenvolvidos na tradicional Engenharia Sequencial. Demonstrações claras disso são os casos em que é preciso revisar um projeto de arquitetura já adiantado porque se descobre tardiamente que alguns espaços não têm tamanho suficiente para abrigar equipamentos dentro de parâmetros técnicos exigíveis ou não por norma (salas de máquinas, shafts, ambientes com equipamentos de produção, etc.). Isso é tão mais comum quanto mais equipamentos ou sistemas possui o edifício. Poderíamos citar também os casos em que uma especialidade é desenvolvida tomando outra especialidade como condicionante apenas porque “já está pronta”.
Percebo as vezes que isso não ocorre apenas nos casos em que cada projeto em cada especialidade é desenvolvido por empresas ou profissionais diferentes. Não é difícil encontrar casos em que isso ocorre dentro de uma mesma empresa com seus vários setores especializados.
Ora, se cada projeto ou setor especializado possui expertise suficiente para sua disciplina/especialidade, então porque tantos projetos são revisados por incompatibilidades ou interferências? A resposta é relativamente simples: a metodologia de trabalho não é apropriada. Não estamos falando aqui dos ajustes que avançam o projeto. Estamos falando das revisões necessárias em pontos do projeto que se julgava finalizados. Os projetistas conhecem bem o sentimento decorrente disso.
Não se discute a competência dos especialistas. Pelo contrário, normalmente todos são excelentes profissionais nas suas especialidades. O que falta é exatamente um direcionamento aos projetos que seja construído numa visão mais sistêmica do empreendimento. A estruturação do processo baseado na Engenharia Sequencial (mesmo que inconsciente) não permite, ou pelo menos dificulta bastante, que esse resultado seja obtido.
Poderíamos dizer: ótimo, então passemos todos a adotar a Engenharia Simultânea!
Sim, ótimo… se fosse fácil! Poderíamos adotar também uma série de outras formas de pensar e conduzir o processo de projeto. Isso nos traria ganhos astronômicos.
Mas porque não o fazemos? Vejamos…
Desenvolver metodologias de trabalho baseadas numa estrutura de pensamento exige que condicionemos nossa forma de pensar a essa estrutura. Ou seja, usar Engenharia Simultânea implica em alterar nossa forma de pensar os empreendimentos. Trata-se de uma mudança que vai além da simples organização do trabalho, mas inclui a reorganização do pensamento. Isso já não é tão simples quanto possa parecer!
Pensar um empreendimento de construção civil de forma sistêmica não significa meramente entender sua arquitetura, sua estrutura, seu sistema elétrico, etc. Além disso, é preciso que se dominem as interações entre esses subsistemas de forma consistente. Exemplos dessa interação são (alguns que me vêm à cabeça e com os quais já lidei em algumas situações):
- Especificar acabamentos considerando, entre outras coisas, a carga de incêndio do edifício;
- Definir partes do empreendimento pensando, entre outras coisas, no ajustamento do prazo de execução (cronograma);
- Definir ou parametrizar as estruturas de cobertura considerando, entre outras coisas, as partes das instalações que ficarão sustentadas por ela;
- Projetar coberturas considerando as impermeabilizações, captações de águas e escoamento delas até as redes nos pisos.
Essas interações são especialmente sensíveis a mudanças repentinas, tanto na fase de projeto quanto na fase de execução das obras. Muda-se uma dimensão, uma especificação, um trajeto e não se analisa sistemicamente suas consequências. Já presencie o aumento dos espelhos de uma escada para ganhar 20 cm de pé-direito sem que se avisasse ao armador para aumentar correspondentemente o comprimento das ferragens de pilares. A consequência só apareceu no andar de cima no comprimento das esperas dos pilares, mas isso, por mais óbvio e sistêmico que pareça, não foi contemplado na análise da mudança.
Diversas situações exigem essas interações sistêmicas, mas se os profissionais não estiverem mentalmente preparados para elas, muitas vezes nem perceberão essa necessidade. Não falamos de fazer uma coisa e depois pensar na outra. Estamos falando de incluir aspectos de uma especialidade como parâmetros para outras. Não porque seja uma deliberação subjetiva, mas uma necessidade de projeto, sobretudo de concepção.
A questão é: como um profissional pode dominar todo esse conhecimento e manter-se alerta a essas demandas de análises em diversas especialidades? A resposta é: não há como! Nenhum profissional, em tese, tem condição de atender a todas essas demandas.
Não resta alternativa a não ser suprir essa necessidade do processo através da metodologia usada para o desenvolvimento dos projetos de arquitetura e engenharia. Esta metodologia deve ser tal que propicie com destaque essas interações nos momentos adequados a elas. Considerar tardiamente implica em retrabalho ou uma tendência de concepções menos eficazes para o empreendimento (para diminuir o retrabalho).
Enfim, não podemos assumir a conta da Engenharia Sequencial passivamente. Devemos cobrar dos especialistas uma atitude de concepção mais sistêmica, mas devemos oferecer a eles uma metodologia de desenvolvimento de projetos que ajude nesse processo. A responsabilidade por gerir essa visão sistêmica é do “especialista em coordenar especialistas” e da metodologia utilizada nesse trabalho.
Sobre o Colunista: Renê Guimarães Ruggeri. Formado em Engenharia Civil, MBA em Gestão de Projetos, Especialista em Gestão de Empresas, 20 anos como Coordenador de Projetos AEC, autor dos livros “Redescobrindo o Processo do Projeto” (2015) e “Gerenciamento de Projetos no Terceiro Setor” (2011), Eng. Máster Coordenador de Projetos na Vale S/A (2011-2015), Professor da Academia Militar de MG no CFOBM (2003-2010), Diretor de Projetos da FEOP(2006-2008), participação em mais de 100 Projetos AEC de variados portes e tipologias (1995-2015), Instrutor, palestrante e escritor nas áreas de Engenharia de Projetos e Gestão de Projetos. Atualmente é Sócio-Proprietário da Renê Ruggeri Engenharia e Consultoria e atua com Gestão de Empreendimentos com foco em Gestão de Engenharia.
Email de contato: rgruggeri@gmail.com – Site: www.reneruggeri.com
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