Publicado em 23/10/2013
Stakeholders: Comunidade Negra dos Arturos: Modelo de Quilombo Brasileiro
Resumo:
Este artigo apresenta uma análise da Comunidade Negra dos Arturos, como um exemplo de remanescente de quilombo brasileiro. Observando aspectos culturais importantes, tais como: os rituais religiosos, as práticas culturais, as comidas típicas, os anseios e desejos dos seus integrantes, a origem dos antepassados, a estrutura hierárquica da comunidade, o relacionamento com as danças como o congado, os instrumentos musicais e as manifestações cênicas como o teatro. O objetivo deste estudo foi traçar um panorama da comunidade através da observação participante e entrevistas com os descendentes, a fim de perceber as estratégias utilizadas para a permanência da comunidade ao longo dos anos, contribuindo para a compreensão da cultura afrodescendente brasileira, importante fator na estruturação da nossa identidade. O estudo dos depoimentos dos descendentes nos indica como a Comunidade dos Arturos conseguiu se estabelecer e continuar o legado paterno, tornando-se um patrimônio cultural intangível, na cidade de Contagem, em Minas Gerais. Fez parte deste estudo a análise dos códigos de Comunicação e suas aplicabilidades na comunidade, ao determinar como os Arturos operam suas resistências frente ao mundo contemporâneo.
1. Formação histórica do racismo brasileiro e sua relação com a democracia através dos movimentos sociais
De acordo com os estudos estatísticos realizados pelo sociólogo Carlos Hasenbalg, na década de 70, a partir dos dados demográficos do IBGE, o racismo existente no Brasil desde os primórdios da escravidão, é um dos fatores responsáveis pelas desigualdades sócio-econômicas entre brancos e negros no país. Os dados indicam que a população negra apresenta menores índices de alfabetização, acesso a escola e empregabilidade.
As realizações educacionais dos negros e mulatos são traduzidas em ganhos ocupacionais e de renda proporcionalmente menores que os dos brancos. Nascer negro ou mulato, no Brasil, normalmente, significa nascer em famílias de baixo status. Carlos Hasenbalg (2005, p. 230)
O processo histórico de construção da sociedade brasileira atual a existência do preconceito de cor na sociedade brasileira está sintetizado em três momentos, segundo Osório (2008). Assim, as primeiras explicações históricas realizadas pelos sociólogos Gilberto Freyre (1994) e Donald Pierson (1945), no início do século XX, consideram a desigualdade racial no Brasil como sendo decorrente da proximidade com o período escravagista. A concepção teórica da época, 1940, defendia a tese de que com o aceleramento do desenvolvimento econômico, os negros conseguiriam ascender na escala social. A diferença social entre brancos e negros estava relacionada principalmente às origens econômicas de classes. ( Negroes in Brazil, Donald Pierson 1942.)
O Brasil era visto como um país onde havia harmonia no convívio entre brancos e negros. Acreditava-se que a presença de mestiços em alguns cargos elevados e o conceito do moreno, como um símbolo da brasilidade, eram sinais de um futuro igualitário de condições entre os indivíduos brancos e negros. Foi criado o mito da democracia racial (Freyre, 1994; Pierson, 1945), que assim se expressa:
“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta do indígena e do negro.” (Gilberto Freire, 1994).
“Não existem castas baseadas na raça; existem somente classes. Isto não quer dizer que não existe algo que se possa chamar propriamente de “preconceito”, mas sim que o preconceito existente é um preconceito de classe e não de raça.” (Donald Pierson, 1945, p. 402).
Considerando-se um segundo momento de compreensão sobre as desigualdades raciais, após esse primeiro período de negação do preconceito racial, surgem novos autores Luiz de Aguiar Costa Pinto (1998); Oracy Nogueira (1998); Octavio Ianni (1987); Fernando Henrique Cardoso (2000); Florestan Fernandes (2007) defendendo a existência de diferenciação no tratamento e nas oportunidades de trabalho entre brancos e negros. Os estudos da época demonstraram que os imigrantes italianos conseguiam melhores condições de trabalho, frequentavam clubes esportivos junto à elite branca gerando maiores oportunidades de negócios e eram preferidos para os casamentos com morenos e mulatos. (Oracy Nogueira, 1998). A crença era de que, com o processo de desenvolvimento econômico, os negros teriam condições similares aos brancos e poderiam ascender na escala socioeconômica.
O terceiro movimento teórico enfatiza que o racismo existente no Brasil é o principal responsável pela desigualdade racial e econômica entre brancos e negros. Através de metodologias estatísticas avançadas, os teóricos e pesquisadores (Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva), defenderam e comprovaram a tese de que mesmo após a abolição da escravatura, os negros não conseguiram ascender na escala sócio econômica como os brancos.
Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (2005) irão afirmar que a despeito do crescimento econômico, não houve aumento de melhores condições de vida por parte da população negra. A origem familiar negra seria um ponto de partida desvantajoso para os negros, pois estaria caracterizada por uma situação socioeconômica inferior. O sistema educacional também repetiria essa desigualdade na origem, dificultando a ascensão dos negros.
Os números do Censo Demográfico de 1950, citado por Carlos Hasenbalg (2005, p.192), na obra intitulada Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil, demonstram que, praticamente, apenas um quarto da população não branca era alfabetizada nas décadas de 40 e 50. Os dados estatísticos confirmam que a população caracterizada como pertencente à raça negra não recebia por parte das políticas públicas e da sociedade ferramentas educacionais que a auxiliassem em seu crescimento. Já os brancos receberam incentivos e facilidades que ampliaram suas chances de melhoria econômica e social.
Considerando-se que, a luta dos povos afrodescendentes por melhores condições de vida remonta o período colonial brasileiro, os quilombos representaram e ainda representam um espaço geograficamente limitado onde os negros buscam preservar a sua identidade e liberdade. A definição de quilombo remete ao período colonial e é entendida como sendo: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. (Alfredo Wagner Berno de Almeida, 2002).
A representatividade dos quilombos na cultura nacional é de suma importância. Ressalte-se que o movimento negro brasileiro conseguiu junto ao governo de Fernando Henrique Cardoso, através da “A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003 que instituiu o Dia da Consciência Negra no calendário como a data em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra”, sendo celebrado, no dia da morte de ZUMBI dos Palmares.
A questão do reconhecimento é um tema trabalhado pela autora Nancy Fraser sendo sintetizado como “uma aceitação do self por meio de uma concepção de justiça que exerce o papel de reparação em relação às injustiças passadas (Fraser, 1997, 2003; Avritzer, 2007).”
Para Fraser (2007), devemos levar em consideração tanto o reconhecimento quanto uma política redistributiva para alcançar uma justiça igualitária. No caso dos quilombos, o reconhecimento de sua identidade pela sociedade é uma construção necessária, bem como o acesso às melhores condições de vida através de políticas redistributivas mais justas que alarguem seu território, suas formações educacionais e seu acesso à saúde e crescimento econômico. “O reconhecimento, entretanto, à primeira vista, parece pertencer à ética, uma vez que exige o julgamento sobre o valor de práticas, características e identidades variadas.” Fraser (2007). A autora trabalha a noção de que há uma pressão por identidade dentro do grupo, e essa pressão inibe a ocorrência de diferenciação, trazendo formas repressivas do comunitarismo. Fraser propõe a noção de reconhecimento como status social, onde o não reconhecimento significa subordinação social. Dentro deste conceito de status social, que pressupõe a igualdade de direitos, percebemos que os quilombos e a população negra brasileira não possuem esse critério.
De acordo com a Constituição de 1988, o conceito de quilombo recebe a conotação de remanescente, em relação ao que restou dos períodos anteriores. São unidades autônomas de produção e consumo tanto rurais quanto urbanas. Com o crescimento das cidades, muitos quilombos se localizam próximos à área urbana.
À luz da antropologia atual, a conceituação de quilombo deve estar relacionada a “auto-atribuição de uma identidade básica e mais geral” (Barth, 2002). Ou seja, os membros da comunidade se auto intitulam como pertencentes à comunidade remanescente quilombola, e assim, constituiu-se a sua identidade e o seu reconhecimento. Dentro da perspectiva de Fraser, a luta dos quilombos deverá ser “desinstitucionalizar padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrões que a promovam.” O objetivo seria buscar a paridade de participação onde os negros teriam as mesmas condições de participação que os brancos.
“[…] o não reconhecimento ou o falso reconhecimento […] pode ser uma forma de opressão, aprisionando o sujeito em um modo de ser falso, distorcido e reduzido. Além da simples falta de respeito, isso pode infligir uma grave ferida, submetendo as pessoas aos danos resultantes do ódio por si próprias. O devido reconhecimento não é meramente uma cortesia, mas uma necessidade humana vital” (Taylor, 1994: 25).
A criação da Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CNACNRQ – 1996), iniciou a pressão para que o governo confirme suas necessidades de reconhecimento legal das “terras de preto”, como são originalmente conhecidos os quilombos. Conforme documento da Associação Brasileira de Antropologia sobre a denominação do termo quilombo, temos que o conceito na atualidade está intimamente relacionado aos processos de formação cultural de um grupo de pessoas ao longo do tempo.
Esses processos de formação cultural e da vida privada através da miscigenação (portugueses, índios e negros) foi abordado por Gilberto Freyre, como sendo estruturante das relações democráticas no Brasil. De acordo com Avritzer, a democracia é uma forma de organização do poder político e das relações entre Estado e sociedade, e neste sentido Freyre se equivoca ao estabelecer a relação entre democracia e miscigenação.
De acordo com Warren, a democracia é um “sistema político no qual os líderes são eleitos em processos competitivos multipartidários e com múltiplos candidatos, nos quais os partidos opositores tem uma chance legítima de adquirir poder ou de participar no poder, e que apresenta a universalização do direito ao voto”. Neste sentido, os negros começam a participar da vida política a partir dos movimentos sociais iniciados na década de 50 que denunciavam o racismo na sociedade brasileira, e que buscavam a participação dos negros na esfera política.
Warren (2002) referencia ao fato de que as correntes clássicas mais influentes do pensamento liberal democrático sustentam que a igualdade política requer que os indivíduos participem dos processos de tomada de decisão, se não como requisito moral e oportunidade de desenvolvimento, como uma estratégia necessária. (Flávia Duque Brasil, 2013)
A Promoção da Igualdade Racial, atualmente, é um dos pilares do governo brasileiro. Um dos focos de atuação do governo federal nesta política são as comunidades remanescentes de quilombos. No Brasil existem mais de duas mil comunidades quilombolas atuantes no cenário nacional. Segundo dados da Secretária Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial são destinados recursos para tal reconhecimento, preservação e valorização da cultura africana.
Minas Gerais concentra o maior número de quilombos cadastrados no Brasil. Esse fato se deve ao momento histórico do período colonial onde a exploração dos recursos minerais demandou grandes volumes de trabalho escravo. “Os quilombos em Minas Gerais não existiam isolados; em geral, os escravos não fugiam para muito longe das comunidades mineradoras urbanizadas” (Ramos, 1996: 165). Os quilombos não eram compostos apenas de escravos fugitivos, mas também de negros livres, comerciantes. E em muitos casos se localizavam próximos às áreas urbanas.
Especificamente, em Minas Gerais o surgimento de quilombos urbanos foi intenso, trazendo para o Estado uma representatividade significativa para a luta pela libertação.
De acordo com a pesquisa realizada pelo CEDEFES, “Comunidades Quilombolas De Minas Gerais No Sec. XXI História e Resistência – Centro De Documentação Eloy Ferreira Da Silva – Cedefes, Os Autores Maria Elisabete Gontijo Dos Santos e Pablo Matos Camargo”, o perfil sócio ambiental das comunidades quilombolas do Estado de Minas Gerais, confirma o baixo nível de envolvimento por parte das instituições públicas nestas áreas. Os números mais negativos demonstram que, das 173 comunidades pesquisadas, apenas 6% recebem ÁGUA TRATADA, 2% possuem ESGOTO, 7% possuem POSTOS DE SAÚDE e 6% ESCOLAS até a 8ª série. E ainda 98% não possuem agências de correio. Os correios oferecem uma gama ampla de serviços que vão desde banco postal, ações de microcrédito, cartas sociais, ações de responsabilidade social que poderiam ser incorporadas no dia a dia dessas comunidades quilombolas e iniciariam um processo de melhorias sociais rumo à diminuição da pobreza e desigualdade social.
É uma área que representa um Brasil abandonado, que poderá ser resgatado a partir de ações específicas governamentais, principalmente através do Projeto do Governo Federal de diminuir o nível de miséria da nossa população.
Esses números indicam que pequenas ações do poder público poderão trazer melhorias significativas às condições de vida da população dessas comunidades.O tratamento de esgoto, água tratada e postos de saúde são direitos da população brasileira assegurados pela Constituição e trazem benefícios para o bem estar e saúde física e emocional de todos os habitantes.
O aumento dos níveis de escolaridade é fator fundamental para o crescimento do cidadão no mercado de trabalho e para sua atuação no âmbito social e político. Os processos de participação e deliberação na democracia atual em nossa sociedade demandam uma capacidade de argumentação em debates de oposição e consenso, e de acordo com Dahl (1997) são “fontes de educação e esclarecimento cívicos”.
Nestas perspectivas clássicas, como Rousseau e John Stuart Mill (considerados precursores teóricos da noção de democracia participativa) destaca-se a participação nos processos de tomada de decisão e, remetem ao papel de controle, de integração e da função educativa ou de aprendizagem coletiva de democracia. (Flávia Duque Brasil, 2013)
O modelo poliárquico (Dahl, 1997) enfatiza a questão da participação como fundamental na ampliação do processo democrático. Os movimentos negros a partir da década de 50 reivindicam o reconhecimento da existência do racismo no Brasil, e exigem a ampliação da participação dos negros nos processos decisórios políticos do país.
A tradição de abordagem dos movimentos sociais na linha da mobilização de recursos afina-se com a perspectiva pluralista ao enfatizar a dimensão instrumental-estratégica de ação coletiva e tratar os movimentos de forma similar aos grupos de pressão. (Flávia Duque Brasil, 2013).
De acordo com Bohman, a definição de deliberação pública pressupõe “um processo dialógico de troca de razões com o propósito de solucionar situações problemáticas que não podem ser resolvidas sem coordenação e cooperação interpessoais.” É preciso considerar nos diálogos de deliberação a efetividade do falante, sendo que os movimentos negros buscam aumentar esta efetivamente ao buscarem o reconhecimento de sua identidade e a existência do preconceito racial na sociedade brasileira. A ampliação da argumentação dialógica visando o aumento da capacidade deliberativa dos movimentos negros poderá impactar positivamente seus direitos e sua influência nos processos democráticos brasileiros. O desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional dos negros poderá ampliar a revisão de suas crenças e auxiliá-los na construção de uma sociedade com maior capacidade de conviver com as divergências culturais e raciais.
Alcançar uma audiência irrestrita requer um pensamento ampliado, pensar do ponto de vista do outro, e revisar os próprios julgamentos; abstrair seu próprio ponto de vista e adotar o ponto de vista dos outros; ou cada um pense consistentemente revisando crenças compartilhadas à luz de novas razões que são oferecidas. (Bohman, 2011)
A ampliação da publicidade forte (Habermans) através do aumento do volume de discussões a respeito do racismo na sociedade brasileira, amplia o debate e capacidade argumentativa da comunicação. De acordo com Bohman, por discurso Habermas entende uma comunicação de segunda ordem sobre a comunicação: esse nível reflexivo de comunicação tem lugar nos argumentos, pragmaticamente entendido como atividade em que um falante considera o proferimento de um ouvinte para providenciar a avaliação de uma demanda particular.
Habermas (1992, pe 411) apud Bohman toma o julgamento como seu modelo quando discute o que torna uma razão publicamente convincente, é a imparcialidade que confere às razões sua força produtora de consenso. A imparcialidade neste caso específico da relação entre racismo e democracia poderá ser reforçada através da análise estatística do censo do IBGE que demonstra a precariedade econômica da população negra comparativamente com a branca no Brasil.
Ainda que haja a existência de leis e sistemas de cotas, protegendo os negros contra a discriminação, a deliberação é necessária para se aumentar a legitimidade através da capacidade argumentativa. Considerações procedimentais nem sempre esclarecem os modos através dos quais os cidadãos podem explorar arranjos democráticos justos, nem podem esclarecer por que grupos em desvantagem devem continuar a cooperar. (Bohman, 2011).
2. Identidade Negra em Minas Gerais e a Comunidade dos Arturos
O estudo da comunidade negra dos Arturos, um remanescente de quilombo localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte, demonstra que características de formação de identidades representativas da herança cultural negra escravocrata do Brasil permanecem, pós-lei Áurea, na região urbana de Minas Gerais.
De acordo com Bourdieu, a transmissão da herança através do pai é condição básica de sobrevivência, e necessita de um sistema educacional e social para se perpetuar. O processo de construção da identidade depende de processos de julgamentos e sanções que confirmam ou não o destino da família. O estudo da comunidade dos Arturos fornece subsídios para compreender os processos que subsidiaram a continuidade desse grupo e os aspectos de sua manutenção.
O componente religioso é elemento estruturador da comunidade dos Arturos. A razão social da comunidade é Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Contagem. Compreender esse fenômeno religioso irá trazer esclarecimentos sobre o papel da religião na continuidade dos hábitos e costumes do grupo.
O processo de construção de identidade dos Arturos está intimamente relacionado à formação histórica do povo brasileiro. O preconceito racial contra os negros é uma realidade em nosso país, como demonstrou o estudo realizado pelo pesquisador Carlos Hasenbalg, em seu livro Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. (2005).
Esse estudo analisou como a identidade dos Arturos se perpetuou levando-se em consideração os fatores históricos, geográficos, biológicos, memórias coletivas, fantasias pessoais, aparatos de poder e revelações de cunho religioso que os acompanharam durante as gerações e experiências vividas. Compreende-se que a formação da identidade dos Arturos é indissociável da construção da identidade dos negros na sociedade brasileira.
De acordo com Castells, M. em sua trilogia A Era da Informação – O Poder da Identidade (1999), “identidades constituem fontes de significado para os próprios atores, por eles originadas e construídas por meio de um processo de individuação.“ Assim, a construção de significados faz parte da comunidade dos Arturos desde a sua fundação. Houve uma identidade primária a partir do pai fundador, que perpetua na herança dos filhos até os dias atuais.
Considerando-se o conceito de Identidade de Resistência de Castells, (1999) como sendo “aquela criada por atores que se encontram em posições desvalorizadas pela lógica da dominação. Constrói-se assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade.” A partir deste conceito, este estudo irá identificar como ocorreu essa construção entre os Arturos e quais benefícios seus membros possuem, dentro da cultura de brasileiros afro-descendentes. A relação entre o fortalecimento da comunidade dos Arturos e a essência da resistência dos negros após a abolição da escravatura na cultura brasileira também será o foco deste estudo.
Tendo em vista estes dados sobre a escravidão no Brasil, os Arturos, nos dias atuais, continuam mantendo as tradições dos antepassados, vivenciando a experiência da cultura de origem africana em Minas Gerais. Localizam-se em um sítio na cidade industrial de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte e transmitem sua história através das tradições religiosas de geração em geração.
Essa comunidade, descendente de Arthur Camilo Silvério e Carmelinda Maria da Silva, pratica importante manifestação da religiosidade afro-brasileira que remete ao período colonial. A identidade desta comunidade constituída através da tradição cultural e religiosa dos antepassados apresenta características únicas e diferenciadas.
Os Arturos se reconhecem como portadores de uma história que representa a resistência e fortalecimento do negro no Brasil ao longo de sua história. De acordo com Habermans, a racionalidade está associada às formas de aquisição do conhecimento. Os arturos, ao transmitirem de geração em geração seus costumes e valores, estão agindo dentro desta dimensão racional para utilizar o conhecimento que possuem.
A comunidade pode ser analisada através de sua formação em que os traços étnicos, familiares, comportamentais, históricos e culturais determinam o comportamento e sua identidade. A experiência da vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social instituem princípios e valores que orientam as escolhas objetivas e subjetivas da população nessa comunidade. Neste sentido, o conhecimento da construção histórica da comunidade nos permite delinear processos futuros de fortalecimento de outras comunidades brasileiras em estado de vulnerabilidade.
Os arturos praticam a deliberação pública ao realizarem debates e discussões com a comunidade de moradores internos e externos, sobre os temas de luta e resistência da cultura negra brasileira. Participam de eventos nacionais e internacionais apresentado sua formação e os métodos de construção de sua identidade cultural e social.
Os dados como data de fundação, o seu crescimento, suas atividades, datas de encontros e/ou festas e biografias dos responsáveis (“Arturos de 1ª Linha”, ou seja, os descendentes diretos de Arthur Camilo Silvério), são ferramentas de fortalecimento da identidade do seu povo, que serão analisados neste trabalho. A comunidade dos Arturos é um exemplo de terra remanescente de quilombo situada na próxima à região urbana de Belo Horizonte. Essa comunidade vem ao longo de mais de 100 anos mantendo suas tradições, hábitos e atitudes originárias dos fundadores negros escravos do Brasil pós-abolição da escravatura.
As manifestações culturais na Comunidade dos Arturos, tais como Congado e festas como: “Libertação dos Escravos”, “Nossa Senhora do Rosário”, “João do Mato”, “Folia de Reis”, e o “Ritual do Candomblé” (Ramos, 2000: 51) são símbolos e rituais passados de geração em geração, e constituem um legado para compreensão da cultura brasileira.
De acordo com a definição de diálogo na deliberação pública de Bohman, esta manifestação dos arturos está mais associada ao discurso que ao diálogo, pois para manter os fundamentos de sua tradição, há uma resistência em dialogar com pessoas e entidades que pensam de maneira contrária aos seus pressupostos. Um dos indicadores da sobrevivência dos arturos é sua persistência e resistência em se abrir para outros espaços que não compartilham de suas crenças e princípios. Os arturos se estruturam mais em torno do discurso que do diálogo, pois buscam regras racionais para se justificarem enquanto grupo pertencente a uma mesma identidade.
Primeiro: A deliberação é dialógica porque ela não suspende os constrangimentos às ações. A deliberação opera quando uma pluralidade de agentes que atuam juntos tentam convencer-se mutuamente a coordenar suas atividades de modos particulares.
Segundo: O discurso é mais exigente que o diálogo; como uma comunicação de segunda ordem, ele pressupõe idealizações, ou mais que isso, pressupõe um acordo unânime sobre regras básicas e critérios de justificação racional.
Terceiro: Os discursos são abertos somente em princípios, pois os requisitos para a participação ativa precisam ser bastante elevadas. (Bohman, 2011)
A vivência dos mitos faz com que a comunidade busque integrar seus medos e anseios e assim conseguir sobreviver frente aos desafios do cotidiano. As manifestações culturais dos Arturos no mundo contemporâneo constituem em uma alternativa saudável de comunicação com a realidade vivida no cotidiano. Entretanto, os arturos correm o risco de se manterem isolados da sociedade, por recusarem o diálogo mais profundo com a sociedade. O diálogo entendido como uma troca de valores e ideias, onde as pessoas se influenciam mutuamente, transformando suas convicções e crenças, formas de pensamento e ação através de um processo de aprendizagem e equilíbrio reflexivo.
O equilíbrio reflexivo significa um estado de coisas em que é possível perceber avanços e recuos, pois em alguns casos é necessário alterar as condições iniciais do contrato, outras vezes é imperativa a modificação dos juízos morais para acordarem com os princípios. (Raws, 1997)
A transmissão do conhecimento e educação dos jovens ocorre através da expressão corporal, rítmica, e artística existente nas danças e rituais da comunidade. A cultura se perpetua através das tradições culturais repassadas de geração em geração utilizando-se múltiplos processos metodológicos. Piaget (1972) considera que, no ato de conhecer, o sujeito é ativo e que, em conseqüência disso, encontra perturbações externas e reage a elas com intenção de compensá-las, tendendo ao equilíbrio. Assimilação e acomodação são processos indissociáveis e complementares que, ao alcançarem o (re)equilíbrio, indicam a formação de novas estruturas cognitivas, mais desenvolvidas que as precedentes. Piaget, Jean. Development and learning. In: LAVATTELLY, C. S. & STENDLE . Os arturos através de suas manifestações religiosas e culturais estão praticando esses princípios piagetianos com suas crianças, fortalecendo os elos de ligação com seus antepassados.
3. Pesquisa com os moradores-descendentes da Comunidade dos Arturos
A metodologia utilizada foi qualitativa através da técnica de entrevistas em profundidade, observação participativa e levantamento de dados bibliográficos. A análise dos dados fundamenta-se na teoria da pesquisa fenomenológica: “dirigida para significados, ou seja, para expressões claras sobre as percepções que o sujeito tem daquilo que está sendo pesquisado, as quais são expressas pelo próprio sujeito que as percebe.” (MARTINS, J; BICUTO, M.A.V., 2011). As entrevistas foram gravadas e transcritas posteriormente para análise dos conteúdos. A duração das entrevistas foi de 2 horas com moradores membros da comunidade dos Arturos. Foram entrevistados descendentes diretos do fundador Artur Camilo na própria comunidade.
O estudo foi realizado no dia 22 de maio de 2012 na comunidade dos Arturos. O contato para o agendamento da entrevista ocorreu diretamente com o atual diretor responsável pela entidade Irmandade Nossa Senhora do Rosário. Essa entidade sem fins lucrativos foi fundada com o objetivo de disseminar as realizações artísticas e culturais dos Arturos.
O agendamento da entrevista é um dado que merece ser analisado, pois o entrevistado possui o hábito e a função de ser o porta voz da comunidade. Neste sentido, suas falas são similares as de um guia turístico mostrando os valores, bens culturais e legado dos Arturos. Demonstrando simpatia e amabilidade concordou em conceder a entrevista em dia, horário e local marcados por ele.
Eu costumo agendar as entrevistas na segunda de manhã. E prefiro que sejam realizadas aqui em nossa Capela, que é um símbolo da comunidade. (Diretor Cultural).
A Capela é uma pequena construção da década de 60, sendo preservada até os dias atuais, praticamente com os mesmos elementos. O altar é constituído por uma grande mesa onde estão colocadas mais de 50 imagens de santos cultuados pelos Arturos. Do lado esquerdo está a foto do fundador da comunidade Artur Camilo e do lado direito a foto de um homem chamado José Aristides, que segundo o depoimento do entrevistado, auxiliou Artur Camilo na consolidação da comunidade dos Arturos em seus primórdios. Na Capela estão guardados três tambores utilizados no ritual Candombe. Esses tambores são considerados sagrados e não podem ser nem vistos e nem fotografados.
Aproximadamente 40 minutos antes do horário agendado pelo diretor, consegui entrevistar dois moradores descendentes diretos de Artur Camilo. São dois homens, um neto (51 anos) e outro bisneto (35 anos), casados e com filhos. Trabalham em fazendas próximas, realizando trabalhos rurais. Eles estavam conversando ao lado da Capela e concordaram em gravar a entrevista. O neto declarou ter estudado até o primeiro grau, sendo que preferiu trabalhar a estudar. O bisneto concluiu o segundo grau, e não quis mais estudar, dedicando-se ao trabalho. A metodologia qualitativa pressupõe a aplicação da técnica de sorteio aleatório dos moradores presentes durante o processo de coleta de dados. Os moradores foram abordados e convidados a responder a pesquisa com o objetivo de contribuir para o estudo sobre a comunidade. São membros da comunidade que circulavam livremente pelo entorno da Capela, e aceitaram o convite de participar da entrevista de forma espontânea.
Os Arturos preservam sua comunidade através de uma resistência ao longo de mais de 100 anos. Assim, não permitiram entrevistar diretamente outros membros moradores, pois são receosos em relação à coleta de dados. Através de vídeos e filmes disponibilizados no site www.youtube.com.br podemos conhecer e analisar outros membros descendentes diretos de Artur Camilo.
Os elos de ligação entre os descendentes de Artur Camilo são compostos por uma rede de símbolos e significados que foram sendo compostos ao longo da história de vida e sobrevivência desse grupo familiar.
O fundador Artur Camilo foi um dos filhos do ex-escravo Camilo Silvério, e de acordo com os depoimentos dos entrevistados, em função de suas características pessoais de personalidade conseguiu perpetuar a tradição familiar. Os demais filhos de Camilo Silvério não conseguiram manter o vínculo com sua descendência e manter as tradições familiares e culturais ao longo do tempo. Artur Camilo foi o único herdeiro que manteve a propriedade atual produzindo e incentivando a sua perpetuação pelos descendentes.
Os entrevistados descendentes diretos de Artur Camilo relataram que este era percebido como sendo bastante rígido e severo no cumprimento de prazos, horários e na exigência de obediência dos mais novos para com os mais velhos. A exigência em relação à obediência aos mais velhos é uma característica bastante ressaltada pelos descendentes durante as entrevistas.
Eu conheci muito pouco. Ele era uma pessoa que mantinha a gente na linha. Era muito rigoroso e respeitava os outros. Se marcasse o horário, ele não gostava que chegasse atrasado. Respeitava ele demais. E cumpria tudo que ele falava. Obedecia demais. (neto de Artur Camilo).
Esse temperamento nato de Artur Camilo, junto com sua religiosidade, fé e força de trabalho consolidou o início do estabelecimento de sua família e descendência. A obediência e respeito às regras e leis dos antepassados é transmitida de geração em geração como sendo um valor de sobrevivência e manutenção das tradições da comunidade.
Eu sou católico e temente a Deus. A gente prega a fé. Lá fora não é brincadeira. E assim foi passado pelo meu avô e pelo meu pai. E a gente obedece os mais velhos. Se o Tio Antonio falar eu obedeço e tento fazer com que a geração que vem agora, tenha a mesma criação que a gente. (bisneto de Artur Camilo)
A disciplina e devoção a Nossa Senhora do Rosário e do Congado foram os instrumentos pelos quais Artur Camilo conseguiu estabelecer uma liderança que inaugurou uma tradição que se prolonga até os dias atuais.
Levando-se em consideração que os demais irmãos de Artur Camilo não conseguiram manter e perpetuar os laços familiares, podemos inferir que as características pessoais específicas de Artur Camilo, junto com sua história de vida foram determinantes para o estabelecimento do seu legado. Utilizando a força da espiritualidade, dos rituais católicos e africanos, a hierarquia do Congado e a fé em Nossa Senhora do Rosário, Artur Camilo conseguiu implantar entre seus filhos e descendentes a determinação para se manterem unidos e estabelecerem uma comunidade rica em cultura, tradição, valores e afetos que se perpetua até os dias atuais.
A questão da terra também é um fator preponderante, porque os Arturos vivem em coletividade. A propriedade foi adquirida por Camilo Silvério, pai de Artur Camilo e tem o registro datado de 1966 já em nome de Artur Camilo, que é a pessoa que deu o nome a comunidade.
A compra da propriedade em Contagem foi conseguida através de intenso trabalho nas lavouras e minerações na região demonstrando sua determinação, força e alta capacidade de trabalho e realização.
A comunidade não gera riqueza suficiente para seus membros comprarem terras e propriedades em outros lugares. Neste sentido, a propriedade é um patrimônio que auxilia os descendentes a terem qualidade de vida com baixos rendimentos.
A religiosidade foi o instrumento pelo qual a família de Artur Camilo conseguiu se unir a outras famílias através do casamento dos seus membros. Os Arturos casaram-se com pessoas de fora da comunidade que aceitaram e incorporaram suas tradições e costumes. Acolher pessoas de outras famílias é uma característica da comunidade dos Arturos que auxilia em sua preservação ao longo dos anos.
Os Arturos revivem em suas comemorações religiosas profundos sentimentos arcaicos primitivos originados de seus ancestrais africanos. Através de símbolos, mitos e rituais vivenciados ao longo do ano em suas diversas festividades, a comunidade dos Arturos revive o seu passado histórico e encontra forças para vencer as adversidades e se manter unida.
Mircea Eliade, em seu livro Mito do Eterno Retorno (1992), demonstra como os símbolos arcaicos estão revestidos de um simulacro celestial. A criação das manifestações terrenas ocorre a partir de um imaginário, um paradigma, um arquétipo internalizado no homem primitivo e repetido ao longo da história.
Os Arturos conservam nos dias atuais manifestações primitivas de sua fé e religiosidade que transcendem o tempo cronológico, mantendo vivas as tradições de seus antepassados. É através do culto espiritual dos antepassados repetido ao longo dos anos é que vivenciam sua experiência espiritual e transcendental.
Um dos rituais considerados fundamentais nas manifestações culturais da Comunidade dos Arturos é o Candombe. “A gente considera o Candombe o pai do reinado porque o Candombe é o primeiro ritual criado ainda lá na África.” (Líder Comunitário) A frase “o tatu tá de cangaia, o mantimento de quem é?” é um código cantado no ritual do Candombe. Essa frase significa: “a negra escrava está grávida de um homem branco que a abusou sexualmente. Quem é o pai da criança?” Os escravos eram impedidos de se comunicar abertamente, assim criavam metáforas e analogias para falarem abertamente sobre os acontecimentos do dia a dia.
O culto religioso atua como uma metáfora ampliada e capacita a comunidade a interagir e se comunicar com as diversas gerações dos Arturos. As metáforas atuam fortemente no sistema de crenças do ser humano, criando e transmitindo um conhecimento que adentra na alma dos grupos sociais. A perpetuação da comunidade dos Arturos está repleta de simbolismos, metáforas e metonímias que dão significado arquetípico as vidas dos seus membros. “A metáfora é uma forma de perceber ou entender intuitivamente uma coisa imaginando outra simbolicamente.” (Bateson, 1979)
Todas as expressões religiosas dos Arturos expressam o desejo de liberdade do ser humano. Ao reviverem o sofrimento dos escravos nos cânticos, danças e dramatizações das festividades, os Arturos se fortalecem para enfrentar as adversidades da vida e aumentar a resistência para a sobrevivência.
Os pais e líderes da comunidade dos Arturos desde quando o bebê está na barriga da mãe está transmitindo metaforicamente valores que dão sentido e significado a vida da criança. Os entrevistados declararam que a crianças não são obrigadas a participar de nenhum ritual. Mas, implicitamente estão sendo moldadas para introjetarem os valores e símbolos da comunidade e para perpetuá-los para as futuras gerações. A estrutura dos valores e crenças religiosas é transmitida com convicção de pai para filho desde a concepção, passando pelo nascimento e durante toda a vida da criança.
O papel da liderança junto às crianças é também fundamental. Elas são incentivadas e estimuladas através das brincadeiras, danças, canto e música a participarem ludicamente dos rituais da comunidade. As crianças são incentivadas a admirarem seus antepassados e seus líderes na comunidade reforçando a cultura e a manutenção das tradições.
Há uma disseminação de uma comunicação em código entre os Arturos, envolvendo mistérios, espiritualidade e um ambiente mágico, cultural e artístico que alimenta o dia a dia dos membros da comunidade. Diante das dificuldades da vida, tais como doenças, mortes, desemprego, dívidas, conflitos familiares, pressões políticas os Arturos se prostram de joelhos diante de suas divindades buscando proteção, refúgio, conselhos e a obtenção de respostas milagrosas as suas necessidades.
Essa linguagem falada e cantada ao som de tambores estabelece uma identidade e uma força coletiva para superar as dificuldades do dia a dia. Através de uma linguagem entendida apenas pelos membros da comunidade há um pacto celebrado junto às manifestações espirituais nas quais o grupo acredita. Essa comunicação em código fortalece os laços familiares.
Os Arturos vivenciam o sincretismo religioso que seus antepassados fundaram. Através da devoção a Nossa Senhora do Rosário podem expressar sua espiritualidade e devoção aos outros santos e ídolos africanos.
Conclusões
A partir dos depoimentos e observações realizadas constata-se que a discriminação vivenciada pelos Arturos desde a sua fundação vem diminuindo ao longo do tempo. No início, mesmo sendo cidadãos livres, eram obrigados a se comportar como escravos, pois tinham que pedir autorização para os fazendeiros e para poder público para realizar suas manifestações culturais e religiosas. Os depoimentos do líder da comunidade confirma o esforço dos membros da comunidade para conseguirem realizar suas manifestações culturais na cidade de Contagem.
Os arturos necessitam ampliar sua capacidade de diálogo deliberativo com as demais comunidades em seu torno, com o objetivo de difundir suas práticas culturais além do discurso habemasiano, conseguindo assim perpetuar suas tradições para outras gerações.
A espiritualidade fundamentada na fé nos diversos santos e nos ancestrais é a competência principal da estratégia desenvolvida pela comunidade dos Arturos para resistir às pressões externas e ao preconceito. Essa espiritualidade é experimentada e desenvolvida nos diversos rituais e manifestações culturais da comunidade ao longo do tempo. Nestes momentos, há a criação e compartilhamento de um código de comunicação que ultrapassa as fronteiras racionais e emocionais. A linguagem utilizada nestes rituais é transformacional à medida que possibilita o reviver das dores, angústias e sentimentos do período africano e escravocrata, como também é um facilitador e influenciador da introjeção dos valores da comunidade na formação da identidade das crianças, jovens e adultos da comunidade.
A racionalidade no sentido habemasiano é utilizada pelos arturos ao aplicarem seus conhecimentos no dia a dia da comunidade.
A ligação entre os membros da comunidade dos Arturos está estabelecida em valores transcendentais, onde a matriz africana fornece os subsídios afetivos, emocionais, psíquicos e espirituais para a perpetuação e sobrevivência dos moradores.
Ainda que as condições socioeconômicas sejam de subsistência, a dignidade enquanto cidadão pertencente a um grupo identificado com uma linhagem cultural hegemônica gera uma autoestima positiva e duradoura ao longo do tempo. Os Arturos se orgulham de serem negros, e portadores de uma divindade interior proveniente da cultura e dos valores dos negros escravos.
Entretanto possuem grandes dificuldades em alcançar resultados econômicos satisfatórios em função da precariedade das políticas públicas voltadas para os quilombos.
De acordo com Flávia Brasil, “a tradição de abordagem dos movimentos sociais na linha da mobilização de recursos afina-se com a perspectiva pluralista ao enfatizar a dimensão instrumental-estratégica de ação coletiva e tratar os movimentos de forma similar aos grupos de pressão.” Os arturos apresentam uma articulação política frágil, pois não conseguem alavancar benefícios econômicos vultosos para sua comunidade. Precisam ir além da preservação cultural e étnica para pensarem como agentes de mudança e de direitos para receberem maior atenção e recursos dos poderes públicos
Considerando-se os conceitos de Habermans de mundo da vida e esfera pública, os arturos se sobressaem no mundo da vida, mas sua interpenetração na esfera pública através dos mecanismos de participação e deliberação são ainda tímidos, indicando um despreparo e desinteresse na articulação com as instituições político-partidárias brasileiras. O medo da colonização por parte da sociedade faz com que os arturos, que sempre lutaram pela descolonização branca, se fechem em seus valores e tradições, evitando o contato mais amplo com o mundo externo, e até mesmo com outras comunidades quilombolas. Por outro lado, os arturos contribuem para o processo democrático ao enfatizarem o fluxo comunicacional do mundo da vida para o centro do sistema econômico e político, e também ao problematizarem a questão da inclusão dos menos favorecidos nas esferas públicas.
Dentro da perspectiva dos movimentos sociais e de Habermans, os arturos constituem uma orientação ofensiva de acordo para com o sistema, ao buscarem a institucionalização da defesa dos direitos dos negros nas instâncias públicas governamentais.
Considerando-se que a deliberação envolve processos de barganha e negociação, os arturos não conseguem avançar neste sentido da negociação dos conflitos, pois a base de sua sobrevivência é a resistência às invasões culturais. Assim, necessitam se desenvolver para não só manterem as tradições, mas serem capazes de uma ampla discussão deliberativa na resolução de conflitos, e busca de melhores condições de vida.
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Trabalho apresentado no 31o Encontro Anual da Anpocs, 26-31 de outubro, Caxambu
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Sobre o Colunista:
Paulo Antônio Alves de Almeida, Psicólogo, Mestre em Administração e Professor de Pós Graduação dos MBAs. Formação em Professional & Self Coaching pelo Instituto Brasileiro de Coaching IBC – com certificação internacional. Atualmente é diretor da MARKETING 500 SOLUÇÕES INTEGRADAS DE MERCADO. Possui experiência de 20 anos na área de Consultoria Organizacional, Processos de Coaching, Palestras Empresariais com ênfase em Estratégias de Marketing, Recursos Humanos, Desenvolvimento de Líderes e Inteligência de Mercado, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão Estratégica e Organizacional, Estratégias Mercadológicas; Inteligência de novos produtos e Serviços, Recrutamento e Seleção, Metodologia de Pesquisas Qualitativas, Liderança, Coaching, Oratória, Trabalho em Equipe e Comunicação Interpessoal.
E-mail de contato: psicologopauloalmeida@gmail.com
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